SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 6 de maio de 2015

A LUA AQUI DA RUA


Rangel Alves da Costa*


Inesperadamente surgida, a lua cheia aqui da rua onde moro, nesta noite de terça-feira 05 de abril, se impõe grandiosa, belíssima, uma auréola dourada e apaixonante.
Afirmei inesperadamente surgida porque não imaginava que apareceria nesta noite prometida aos chuviscos e chuvaradas. Com o dia inteiro nublado e de vez em quando as águas se derramando, imaginava-se uma noite de céu mais escurecido e tomado de nuvens.
Mas ela apareceu, pouco antes das oito horas da noite, e basta atravessar o portão e olhar para o alto para encontrá-la numa pujança de encantamento. Ainda mais bela quando avistada do quintal, com menos claridade e mais silêncio.
Porém creio que nem todos aqui da rua – ao menos os que estão sentados e proseando pelas calçadas – sequer se deram conta do espetáculo noturno. Avistado conversas animadas, pessoas entretidas com uma coisa e outra, mas nenhuma levantando o olhar naquela fascinante direção.
Fico imaginando o significado que uma lua, um sol ou uma estrela, pode ter para pessoas assim. Fico pensando no sentimento dessas pessoas com relação à primeira luz da aurora, na paisagem vermelho alaranjada do entardecer, na chuva caindo e lavando as calçadas e o asfalto.
Será que os sentimentos despertados pelas coisas singelas da vida são dádivas em apenas alguns? Será que os corações de alguns foram cativados na indiferença àquilo que provoca emoção e eleva os sentimentos? Será que aos olhos destes tanto faz uma lua cheia como uma noite de lua escondida?
Acaso eu atravesse a rua e diga que não esperava encontrar uma lua tão bela assim numa noite que surgiu nublada, certamente que todos olharão para o alto e se mostrarão fascinados. E em seguida os corriqueiros gestos de admiração, mas para em seguida a lua ser novamente esquecida porque há um assunto mais interessante a ser continuado ou algo muito mais comovente a ser apreciado.
Mas será que eu tenho de atravessar a rua, ir até a calçada do outro lado, simplesmente para mostrar a beleza da lua cheia? Será que somente a partir de minha ação aquelas pessoas despertarão para a existência de algo que se imagina não possa ser ignorado por ninguém? Será que eu terei de chegar lá, pedir licença, abrir a boca e dizer que olhem para o céu?
E vejam o que aconteceu. Parei um instante de escrever e fui até lá. A primeira coisa que fiz foi mostrar o quanto a lua estava tão cheia e tão bela. Todos olharam para o alto e a maioria se admirou. Uma perguntou a outro se ainda não tinha percebido aquela lua tão bonita. E este simplesmente respondeu que não se dava ao trabalho de ficar olhando para cima atrás de uma lua cheia.
Exatamente como imaginei. Não sei se aquela que disse já ter avistado realmente o fez, mas sei que sem a minha informação certamente a lua continuaria solitária lá em cima sem que dessem a mínima atenção. Contudo, o mais conclusivo, e espantoso, na resposta dada: tanto faz, pois não perde tempo com lua.
Retornei rapidamente para prosseguir na escrita. Antes de atravessar o portão me demorei com os olhos mirando aquele estranho objeto. Sim, aquele estranho objeto para aqueles do outro lado da rua. Mas aquele objeto que causa tanta estranheza em mim que sinto vontade de abrir os braços e gritar para que me deixe beijar sua face.
Um beijo na face da lua é a poesia do sentimento. E igualmente ao insano que se vê tomado de aflições quando seu brilho está mais forte, também enlouqueço um pouco diante de tudo que quero ter à sua presença. Como eu abraçaria a lua, como eu beijaria seu corpo dourado, como eu me entregaria ao seu brilho insano.
Mas sem esse voo, me serviria outra lua numa face, num olhar, numa boca, num corpo. E tudo tão lua cheia que nossas estrelas sumiriam dentro de nós.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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