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sábado, 16 de maio de 2015

O SERTÃO E A CAPITAL (OS PESOS E AS MEDIDAS)


Rangel Alves da Costa*


Outro dia escrevi numa rede social que a falta de água em Aracaju estava servindo para que o citadino sentisse na pele o que o sertanejo secularmente sofre na alma. O que expus logicamente foi no sentido de mostrar que somente com o desabamento de uma adutora e, consequentemente, o desabastecimento da capital, a dor sempre sentida pelo sertanejo respingava na população da capital e região metropolitana.
Contudo, a expressão possui um alcance ainda maior à medida que se mostra também como uma crítica ao tratamento que é dado às duas situações. Ora, bastou que as torneiras se negassem a pingar e logo o mundo quase acaba. E ainda hoje, mesmo com o reabastecimento parcial, as queixas alardeiam com voracidade. Existe a mesma preocupação das autoridades quando o problema está ocorrendo no sertão sergipano?
É de constatação científica que a seca é condicionante climática que jamais será debelada. Quer dizer, a seca sempre existirá em maior ou menor proporção, pois nenhum conhecimento humano é capaz de modificar os ciclos próprios da natureza. Por consequência, os problemas continuarão persistindo a cada nova estiagem que chegue. E ela não dura muito para se estender pela vastidão sertaneja.
O tratamento que é dado ao sertão esturricado é o mesmo desde os tempos mais antigos. A cada estiagem ações pontuais são realizadas, medidas paliativas são tomadas, esmolas são providenciadas, promessas de resolução surgem aos montes, principalmente em período eleitoral. E assim o sertão vai sofrendo, sempre padecendo da situação tão natural ao lugar e sempre vergonhosamente submetido ao descaso e à omissão dos poderes públicos.
Dessa propensão natural ao surgimento da estiagem, logicamente que os setores governamentais de combate aos problemas das secas já possuem uma ampla visualização das mazelas vindouras com muita antecedência. Seca no sertão não surpreende ninguém, é fato, é dado. Ainda assim as ações nunca são tomadas a tempo, as medidas nunca são a contento, tudo é tratado como se a fome e a sede de seres humanos e animais pudessem esperar.
Sou sertanejo e conheço como tudo funciona. Somente quando o mundo está acabando é que as medidas paliativas começam a serem tomadas, cestas básicas são distribuídas em pequena quantidade, carros-pipas começam a escolher seus destinatários. É quando se passa horas e horas numa beira de estrada ou numa fila de povoação esperando que o motorista do caminhão tenha boa vontade e encha uma lata d’água. Boa vontade porque os carregamentos geralmente são direcionados pelas autoridades aos apadrinhados e lideranças políticas.
Toda essa situação vergonhosa e desumana não é minimizada pelo simples fato de que o abastecimento de água na região sempre apresenta problemas. Não raro que populações inteiras fiquem dias, semanas e até meses sem que uma gota d’água caia da torneira. E nem a companhia de abastecimento de água do estado nem as autoridades competentes ficam minimamente preocupadas com a resolução dos problemas. Tubulações se rompem e os canos permanecem esquecidos, máquinas distribuidoras ficam danificadas e assim continuam por longo tempo, caixas de distribuição apresentam problemas e tudo se eterniza para ser resolvido. E por que não há a mesma rapidez observada agora na capital?
A verdade é que quando as torneiras secam na região sertaneja não há a mínima preocupação na solução do problema, e nada parecido com a agilidade e tecnologia, empenho e obstinação, colocados à disposição da resolução do desabastecimento da Grande Aracaju. Também verdade que cerca de um milhão de pessoas estavam afetadas. Contudo, não há como não perceber a dimensão da região sertaneja, do seu grande número de cidades e povoações, bem como de uma população que vive secularmente sofrida.
Reconhece-se, enfim, que quando há desejo, interesse, voz de mando e comando, a coisa funciona a contento. Mesmo se omitindo na manutenção da ponte e da tubulação desabadas, o governo chamou para si a responsabilidade de solucionar rapidamente o problema. E o abastecimento já está se normalizando. E por que somente para o sertão tudo se torna tão difícil, vagaroso, ao deus-dará?
Muito fácil de responder. Falta de interesse dos governantes e autoridades, desrespeito ao povo, preconceito e discriminação para com o sertanejo. Apenas isso.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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