Rangel Alves da Costa*
Contrariando o ditado popular, desde muito
que a mentira deixou de ter perna curta. Não precisa chegar rapidamente porque
já está em todo lugar, acontecendo de forma generalizada. A sua onipresença é
deveras alarmante. A propensão de faltar com a verdade, enganar, iludir, mentir
descaradamente, se arraigou de tal modo que a maioria das pessoas sequer se dá
conta se está mentindo muito ou pouco. O político, por exemplo, tem a mentira
como a única forma de expressão. Daí a sua aptidão para ser inimigo da lisura,
da transparência, da sinceridade.
Outro dia li que todo político é mentiroso.
Mas nem precisava fazer tal constatação. O problema é que nem se preocupam mais
em passar uma aparência de sinceridade. São pessoas que vivem da conveniência e
por isso mesmo mudam os discursos segundo seus interesses. E sem falar nas
promessas eleitoreiras, nos programas de governo rasgados após a eleição, nas
afirmações de que nos cofres da pátria-mãe não há mais dinheiro para o
financiamento estudantil ou para proporcionar atendimento digno aos que ficam
estendidos no piso imundo dos hospitais. Quando o judiciário diz que quer
aumento, alguém ousa dizer que não?
Diante de um mundo deslavadamente mentiroso,
comprovadamente embusteiro, a verdade não tem melhor sorte que cair em
desgraça. Ora, qual a força da verdade quando quase ninguém mais comunga da
sinceridade nem na palavra nem na ação? E na leva da descrença no dito e no
feito, as consequências negativas acabam recaindo também na honestidade, na
honra, na moral e no caráter. Agora é que seria o tempo de avistar Diógenes de
Sínope, o velho filósofo, andando de canto a outro com sua lamparina acesa em
pleno dia em busca de um homem honesto.
E muito trabalho teria o sábio grego para ter
à sua frente alguém que de uma forma ou outra não estivesse envolvido com a
mentira. Mentiroso ativo ou passivo, contumaz ou ocasional, desavergonhado ou
por força das circunstâncias. Mas seja de que lado esteja ou em quem recaia, a
mentira sempre estará envolvida numa só objetivo: tornar a realidade da vida
desacreditada. E realidade que envolve as relações sociais, as promessas, os
compromissos e tudo que seja palavra. Quanta força e poder já possuiu a palavra
humana!
Dizem que a mentira é a oposição à verdade.
Será? Nos tempos atuais, tal antônimo passou a ter outra conotação. A mentira
parece ser a única verdade, e esta uma grande mentira. O comum é mentir,
enganar, falsear, ludibriar. A prática se tornou com tamanha normalidade que
não há mais assombro ou indignação diante do embuste espalhado para acolhimento
de todos. A descrença no juramento humano é tão grande que ninguém mais se
preocupa em buscar quaisquer resquícios de sinceridade no que diz ou faz.
Não faz muito tempo que o apalavrado tinha
força de confiança, de indubitável certeza, de contrato firmado, de escrita de
honra. Os velhos senhores não precisavam assinar papéis para firmar negócios e
compromissos. Bastava falar e já estava assinado para o resto da vida. A
desonestidade maculava não só a honra como podia levar qualquer um à ruína.
Assim porque socialmente desacreditado e sempre evitado entre os homens de bem,
de palavra. Até mesmo em política havia honradez, cumprimento das obrigações
assumidas e fidelidade ao prometido.
Contudo, as exceções são óbvias quando se
fala em honestidade em política. Certa feita um coronel nordestino, daqueles de
curral e cabresto, mandou chamar um prefeito por ele eleito e perguntou se já
estava cumprindo as promessas feitas em campanha. O prefeito respondeu que
ainda não, pois as verbas chegadas mal davam para pagar a folha. Então o
coronel perguntou quanto tinha custado a fazenda recentemente adquirida pelo
administrador. Quando ficou sabendo do preço, o poderoso pediu que fizesse as
contas e lhe mostrasse se com a o salário recebido a cada mês, desde aquela
data, já dava para ter juntado aquele valor. Em seguida disse que era por isso
que não havia dinheiro que desse para fazer qualquer obra. Ao invés de trabalhar,
pensou em comprar fazenda, depois vai adquirir mais terra, depois vai colocar
dinheiro em banco, e assim em diante. Por fim, exigiu que a propriedade fosse
loteada entre os mais humildes.
Hoje, as mentiras administrativas são
geralmente fundamentadas em lei. Não é concedido aumento ao funcionalismo por
causa do limite prudencial, os pleitos das categorias organizadas não são
atendidos para não haver desequilíbrio das contas públicas, tudo é
acintosamente justificado com base na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Acintosamente porque os governantes não obedecem a nenhuma lei quando desejam
torrar dinheiro público, provocar inchaço com a contratação de comissionados,
gastar verbas exorbitantes com publicidade e outros supérfluos. Só não há
dinheiro, e sim o tal limite prudencial, quando o funcionalismo exige o que lhe
é de direito.
Não há governo ou político que passe pelo
detector. Por que se diz que Brasília é a grande farsa da nação? A resposta está na crença que se tem nos
políticos. De onde Pinóquio foi expulso pela inocência, além de ser o reino da
mentira, do engodo e da falcatrua, possui a irretocável definição dada por José
Simão: “Se gradear vira zoológico, se murar vira presídio, se cobrir com lona
vira circo, se botar lanterna vermelha vira puteiro e se der a descarga não
sobra ninguém”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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