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segunda-feira, 25 de maio de 2015

O RETRATO NOVO DE UMA CIDADE


Rangel Alves da Costa*


Na parede do tempo, muitos retratos de Aracaju, mas o retrato novo, retocado a cada dia, é mais que assustador. A moldura está feia, torta, desconcertada. A imagem está alarmante, repulsiva, mostrando ao fundo marcas de abandono, imundícies e sangue. Quanto mais novo o retrato mais entremeado de personagens assombrados, cenas apavorantes, como disformes pinturas surrealistas, demolidoras do corpo social.
Tais perspectivas realmente assustam em Aracaju. Ninguém esperava que em tão pouco tempo a galeria retratando os fatos e os cotidianos fosse assim transformada e agora revelasse tão friamente o que se imaginava acontecendo somente em outros lugares, nas conturbadas metrópoles ou grandes centros. Daí a não totalmente incorreta afirmação que o sudeste violento é aqui, a favela é aqui, a cracolândia é aqui, a bandidagem é aqui, a chacina é aqui, a miséria humana está aqui.
Tudo espantosamente aqui, de modo a amedrontar o aracajuano, o visitante, o turista. Não há mais sossego, não há segurança em qualquer lugar, seja pelas ruas, na calçada de casa ou mesmo porta adentro. Não se rouba mais carteira, não mais se lança mão dentro das bolsas alheias. Tais ilicitudes são coisas do passado. Agora a criminalidade aperfeiçoou-se de tal modo que os assaltos são praticados com motos, carros e armas potentes. Num instante, o veículo passa e deixa atrás mais uma vítima, quando não um rastro de sangue.
Os velhos retratos nem parecem com as fotografias instantâneas de agora, que já chegam tristes e dolorosas. Nos velhos retratos uma cidade que cresceu preservando seu lado interiorano, seu jeito pacífico de ser, sua reconhecida cordialidade, a justa fama de bem viver. Era a cidade dos sonhos de tantos e tantos que procuravam fugir das violências e absurdos urbanos. E por isso mesmo se mostrava agradável e segura aos seus habitantes e perante todos que chegavam para conhecê-la ou fixar moradia.
Ainda hoje ecoa, aqui e além-fronteiras, a simbologia de uma Aracaju como a capital da qualidade de vida, a cidade jardim, o recanto nordestino da paz e do sossego, o lugar ideal para ser viver. Milhares de famílias deixaram as alucinações urbanas e para cá se mudaram em busca da tão propagada tranquilidade cotidiana. E até usufruíram o que desejavam encontrar. Mas hoje a situação é bem diferente. Ninguém em sã consciência poderá deixar de reconhecer que Aracaju tomou a mesma feição de uma capital aterrorizante qualquer.
A verdade é que Aracaju se transformou na cidade dos problemas, da violência, do medo, do espanto. Mudanças na sua feição já eram esperadas, vez que acompanhando o percurso do crescimento urbano e das transformações sociais, mas a sua lógica de desenvolvimento desafiou à normalidade. Parece que de uma hora para outra tudo passou a desandar de vez. Tudo de ruim emergiu abruptamente, tudo o que atormenta passou a estar presente em todo lugar.
As ruas não deixam mentir, o temor nas pessoas não deixam mentir, a crescente violência não deixa mentir. Nada deixa mentir. Basta lançar um olhar para o caos no trânsito, para os trechos de ruas tomados de pequenos traficantes, vendedores e usuários de drogas. O centro da capital se transformou numa feira aberta para a comercialização de crack e outros entorpecentes. As pessoas que transitam pelos arredores dos mercados centrais têm de conviver com o medo dos assaltantes e o espanto com o comércio indiscriminado de drogas.
Menos os que fazem a segurança pública, mas todo mundo sabe da cracolândia nas calçadas da Rua Florentino, entre a João Ribeiro e Apulcro Mota. Todo mundo sabe – menos a polícia, logicamente – da droga correndo solta, a toda hora do dia, nos bares ao lado da feirinha das frutas da Praça da Rodoviária Velha. E assim por todo lugar. Todo mundo sabe, menos os poderes públicos, pois nada é feito para coibir o uso e a comercialização de drogas nestas localidades nem prender os marginais. E não será nada alvissareiro o futuro de uma cidade que se permite viver assim, com os absurdos acontecendo e as autoridades omissas ao caos.
A violência ganhou tamanha proporção que alguns setores da imprensa já falam em descontrole total da situação. A cada dia e a cada instante são registrados assaltos, mortes violentas, latrocínios, chacinas. Nos últimos tempos, não há uma segunda-feira que o balanço da criminalidade do final de semana não chegue a números alarmantes. Mesmo que não seja somente em Aracaju, mas o número de homicídios passar de vinte em setenta e duas horas é algo estarrecedor.
Costumava-se dizer que a violência aracajuana era gerada nos conjuntos empobrecidos da região metropolitana. Mas agora não há mais como disfarçar. Não faz muito tempo que chacinaram três jovens na zona norte, e nesta semana mais dois foram assassinados. Três baleados de uma só vez e dois mortos, mais tantos e tantos outros que respingam vermelho sangue nas estatísticas. E não importam as motivações, pois o fato da violência não se explica apenas pela sua causa.
Assim o retrato feio de Aracaju. Este está visível e sentido por todos. Ou quase todos. Alguns até dizem que a violência está diminuindo. Os fatos podem ser deturpados, mas as dores não.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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