Rangel Alves da Costa*
Na parede do tempo, muitos retratos de
Aracaju, mas o retrato novo, retocado a cada dia, é mais que assustador. A moldura
está feia, torta, desconcertada. A imagem está alarmante, repulsiva, mostrando
ao fundo marcas de abandono, imundícies e sangue. Quanto mais novo o retrato
mais entremeado de personagens assombrados, cenas apavorantes, como disformes
pinturas surrealistas, demolidoras do corpo social.
Tais perspectivas realmente assustam em
Aracaju. Ninguém esperava que em tão pouco tempo a galeria retratando os fatos
e os cotidianos fosse assim transformada e agora revelasse tão friamente o que
se imaginava acontecendo somente em outros lugares, nas conturbadas metrópoles
ou grandes centros. Daí a não totalmente incorreta afirmação que o sudeste
violento é aqui, a favela é aqui, a cracolândia é aqui, a bandidagem é aqui, a
chacina é aqui, a miséria humana está aqui.
Tudo espantosamente aqui, de modo a
amedrontar o aracajuano, o visitante, o turista. Não há mais sossego, não há
segurança em qualquer lugar, seja pelas ruas, na calçada de casa ou mesmo porta
adentro. Não se rouba mais carteira, não mais se lança mão dentro das bolsas
alheias. Tais ilicitudes são coisas do passado. Agora a criminalidade
aperfeiçoou-se de tal modo que os assaltos são praticados com motos, carros e
armas potentes. Num instante, o veículo passa e deixa atrás mais uma vítima,
quando não um rastro de sangue.
Os velhos retratos nem parecem com as
fotografias instantâneas de agora, que já chegam tristes e dolorosas. Nos
velhos retratos uma cidade que cresceu preservando seu lado interiorano, seu
jeito pacífico de ser, sua reconhecida cordialidade, a justa fama de bem viver.
Era a cidade dos sonhos de tantos e tantos que procuravam fugir das violências
e absurdos urbanos. E por isso mesmo se mostrava agradável e segura aos seus
habitantes e perante todos que chegavam para conhecê-la ou fixar moradia.
Ainda hoje ecoa, aqui e além-fronteiras, a
simbologia de uma Aracaju como a capital da qualidade de vida, a cidade jardim,
o recanto nordestino da paz e do sossego, o lugar ideal para ser viver. Milhares
de famílias deixaram as alucinações urbanas e para cá se mudaram em busca da tão
propagada tranquilidade cotidiana. E até usufruíram o que desejavam encontrar.
Mas hoje a situação é bem diferente. Ninguém em sã consciência poderá deixar de
reconhecer que Aracaju tomou a mesma feição de uma capital aterrorizante
qualquer.
A verdade é que Aracaju se transformou na
cidade dos problemas, da violência, do medo, do espanto. Mudanças na sua feição
já eram esperadas, vez que acompanhando o percurso do crescimento urbano e das
transformações sociais, mas a sua lógica de desenvolvimento desafiou à
normalidade. Parece que de uma hora para outra tudo passou a desandar de vez.
Tudo de ruim emergiu abruptamente, tudo o que atormenta passou a estar presente
em todo lugar.
As ruas não deixam mentir, o temor nas
pessoas não deixam mentir, a crescente violência não deixa mentir. Nada deixa
mentir. Basta lançar um olhar para o caos no trânsito, para os trechos de ruas
tomados de pequenos traficantes, vendedores e usuários de drogas. O centro da
capital se transformou numa feira aberta para a comercialização de crack e
outros entorpecentes. As pessoas que transitam pelos arredores dos mercados
centrais têm de conviver com o medo dos assaltantes e o espanto com o comércio
indiscriminado de drogas.
Menos os que fazem a segurança pública, mas
todo mundo sabe da cracolândia nas calçadas da Rua Florentino, entre a João
Ribeiro e Apulcro Mota. Todo mundo sabe – menos a polícia, logicamente – da
droga correndo solta, a toda hora do dia, nos bares ao lado da feirinha das
frutas da Praça da Rodoviária Velha. E assim por todo lugar. Todo mundo sabe,
menos os poderes públicos, pois nada é feito para coibir o uso e a
comercialização de drogas nestas localidades nem prender os marginais. E não
será nada alvissareiro o futuro de uma cidade que se permite viver assim, com
os absurdos acontecendo e as autoridades omissas ao caos.
A violência ganhou tamanha proporção que
alguns setores da imprensa já falam em descontrole total da situação. A cada
dia e a cada instante são registrados assaltos, mortes violentas, latrocínios, chacinas.
Nos últimos tempos, não há uma segunda-feira que o balanço da criminalidade do
final de semana não chegue a números alarmantes. Mesmo que não seja somente em
Aracaju, mas o número de homicídios passar de vinte em setenta e duas horas é
algo estarrecedor.
Costumava-se dizer que a violência aracajuana
era gerada nos conjuntos empobrecidos da região metropolitana. Mas agora não há
mais como disfarçar. Não faz muito tempo que chacinaram três jovens na zona
norte, e nesta semana mais dois foram assassinados. Três baleados de uma só vez
e dois mortos, mais tantos e tantos outros que respingam vermelho sangue nas
estatísticas. E não importam as motivações, pois o fato da violência não se
explica apenas pela sua causa.
Assim o retrato feio de Aracaju. Este está
visível e sentido por todos. Ou quase todos. Alguns até dizem que a violência
está diminuindo. Os fatos podem ser deturpados, mas as dores não.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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