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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

COMPLEXO DE AVESTRUZ


*Rangel Alves da Costa


Alguns escritos tentam a todo custo desmitificar a lenda. Não só a lenda como a verdade. E afirmar que o avestruz não enfia a cabeça no buraco é a mais deslavada mentira. Não que escave o buraco, mas encontrando um pela frente logo vai enfiando a cabeça seja para escondê-la ou não.
Os ditos estudiosos querem, na verdade, transformar uma realidade natural em algo aparente. É a tal da cientificidade querendo sempre se sobrepor à lógica dos fatos observáveis. Não soa como plausível dizer que a ave dobra seu pescoço sobre a terra para sentir vibrações e a presença de outros animais, e por isso mesmo parece estar com a cabeça enfiada em buraco.
Também não engana ninguém afirmar que o avestruz baixa seu pescoço rente ao solo para que o predador, ao avistar somente suas penas elevadas, pense estar diante de uma pedra ou de um arbusto. Apenas uma invenção explicativa, vez que agindo assim certamente ele ficaria muito mais exposta e desprotegida. E por que não correr logo, vez que possui grande velocidade, se contentando apenas em deixar o rabo à mostra?
Não se pode fugir da verdade. O avestruz esconde sua cabeça sim no buraco que encontrar. O seu pescoção de cabeça fina não pode encontrar uma fundura que vai se escondendo lá dentro. E não é para se esconder de predador coisíssima nenhuma, mas por outros motivos que somente a espécie pode dizer. Como não fala, então se imagina a motivação: qualquer outro tipo de fuga.
O avestruz é uma ave alta, a maior da terra, toda imponente, sempre majestosa no seu jeito de andar, mas com o aludido e peculiar costume: gostar de esconder a cabeça em buracos. Por fora, a sua penugem bela, o seu porte altaneiro, mas com a cabeça escondida. O que sua cabeça faz lá dentro pouco importa, mas que se mantém escondida do mundo lá fora.
Tão esbelto é o avestruz que mais parece uma modelo empertigada na passarela. Caminha como de salto alto e sempre se exibindo, mas de repente e afunda a cabeça em buraco. Depois se avista somente as pernas nuas e a plumagem em situação desconfortável e esquisita pela sua cabeça escondida.
E por que age assim o avestruz? Como dito, inaceitável a explicação segundo a qual a ave nunca agiu desse modo. Também incabível a afirmação de que apenas baixa parte do pescoço rente ao chão e por isso dá a aparência de estar com a cabeça dentro de buraco. Longe de ser coisa de desenho animado, fato é que faz do buraco que encontra um tipo de fuga à realidade.
Uma avestruz com cabeça enfiada em buraco é o próprio ser humano em fuga da realidade. Neste passo é aonde se chega ao chamado complexo de avestruz: uma situação humana, à imitação da ave, onde as fugas e os medos são escondidos pelo temor de enfrentá-los. Em determinadas situações, a pessoa prefere se manter escondida a enfrentar a realidade. Mesmo sabendo que nada resolverá com a fuga, ainda assim prefere fingir a si mesma.
Não raro que o ser humano prefira o quarto fechado à porta da frente, prefira a escuridão à luz, prefira o fingimento à realidade. Todo problema surgido, ao invés do encorajamento para enfrentá-lo, logo corre ao buraco mais próximo para se esconder. Então começa chorar, a se martirizar, a buscar impossíveis soluções pelo sofrimento. Às vezes, tudo muito fácil de ser resolvido, de ser enfrentado, mas permanecendo como ameaça pelas fraquezas da alma.
Assim como faz a avestruz, fingindo uma segurança tendo deixado todo o restante do corpo exposto, igualmente no ser humano. Não adianta se esconder em buracos quando os problemas continuam lá fora. Neste momento há de se transformar em outro animal, até mesmo feroz, e contra-atacar com todas as forças que possuir. E assim por que os problemas somente são vencidos quando a pessoa não recua por medo e, ao invés disso, devora-o completamente.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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