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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

NOSSAS TRAGÉDIAS COMUNS


*Rangel Alves da Costa


No Brasil, difícil não reconhecer que a ação de alguns provoca impactos desastrosos perante os demais. Por mais que a ação seja justificada por aqueles que a levam a contento, ainda assim a grande maioria será prejudicada. Não raro que são ações premeditadas para produzirem efeitos políticos ou ideológicos, sem que se considerem as nefastas consequências para a comunidade que nada tem a ver com quebras de braços ou brigas de poder.
Exemplos disso podem ser observados nas greves por meros caprichos sindicais, no fechamento de rodovias por grupos de assentados, no impedimento do funcionamento de escolas por grupos de estudantes orientados por outros interesses, nas manifestações que acabam impedindo o funcionamento dos órgãos públicos. E o exemplo maior seria a escolha de governantes e legisladores. As escolhas malfeitas de alguns nada mais servem que penalizar a sociedade como um todo.
São as escolhas feitas por alguns que produzem consequências gerais, de modo prejudicial e até lesivo. Muitas vezes, a falta de conhecimento, a baixa escolaridade, a carência de conscientização e de senso crítico, além da permissividade como massa de manobra, transforma a ação de minorias num perigoso jogo de interesses. E interesses estes que só dizem respeito mesmo a alguns que ao longe ficam observando a concretização insidiosa de seus objetivos. E verdadeiras tragédias surgem perante as ações impensadas de poucos, porém orquestradas por espertalhões que ficam ao longe monitorando os resultados.
Há uma teoria popularizada pelo ecologista norte-americano Garrett James Hardin, mas esboçada desde a filosofia antiga e aprimorada por recentes pesquisadores, denominada Tragédia dos Comuns. Pode contextualizar diversas situações, mas principalmente na afirmação de que pessoas comuns, quando passam a agir contra os interesses maiores da comunidade da qual fazem parte, acabam prejudicando a si mesmas e ao todo. Suas ações, que não podem ser dissociadas do contexto geral, por mínimas que sejam, ainda assim possuem o efeito de um simples bater de asas: produzir devastações inteiras.
O cerne da questão envolve a ação contrária ao desejo e ao pensamento da comunidade. Uma ação descontrolada de alguns sobre determinada questão terá como consequência o prejuízo de todos. Fugindo-se da estabilidade, dos meios concebidos por todos como os melhores, certamente haverá uma ruptura e uma desagregação daquilo anteriormente pactuado. Ademais, os interesses pessoais, quando exercidos de modo impensado ou mesmo egoísta, provocam não só a divisão de interesses como fragilizam o interesse geral, dado o esfacelamento do bem comum.
Há algum modo de se evitar tais tragédias, vez que somente observáveis quando os prejuízos já foram causados? Difícil, mas não impossível. Considerando que o aprendizado tantas vezes surge somente quando a lição é dolorosa, espera-se que as consequências sejam suficientemente fortes para que ao menos as reincidências sejam evitadas. Um fato concretizado, por si só, não significa que deva ser repetido, principalmente quando suas consequências se mostraram tão danosas.
Na conscientização da realidade de mundo e de vida reside o primeiro passo para que as tragédias sejam evitadas. Ora, se todo morador de uma comunidade evita, por exemplo, fazer queimadas descontroladas ou acumular lixo defronte as residências ou lugares baldios, e apenas um, com maldosa intencionalidade, faz exatamente o contrário, certamente que sua ação irá prejudicar a todos. O bueiro pode ser entupido pelo lixo jogado de apenas um morador. Um grande incêndio pode ser provocado por apenas uma fogueira de quintal. Nos exemplos dados, mesmo a conscientização da maioria encontra barreira naquela irracionalidade ou premeditação do mal.
Ora, por que a floresta é imensa, então logo se imagina que a derrubada de uma só árvore não modifica em nada a sua pujança. Mas outro, com a mesma concepção, logo vai e derruba outra árvore. E assim mais outros e mais outros. De árvore em árvore derrubada, de repente surge a primeira clareira, depois o descampado nu, até se transformar em completa devastação. O mais instigante é que todos, inclusive aqueles responsáveis pelo desmatamento, sabiam que aquela floresta era essencial à vida comunitária, pois purificando o ambiente, refrescando o ar, proporcionando um clima mais saudável á população. Contudo, a simples ação de alguns comprometeu a vida de todos.
Os poderes públicos, seja por ação ou omissão, também incorrem na proliferação de tragédias. Toda vez que se afastam de seus deveres abrem as portas para as ambições privadas, para interesses escusos que acabam produzindo danos incalculáveis a populações inteiras. Quando uma barragem se rompe e na sua voracidade lamacenta vai provocando mortes e destruições, certamente que ali estava instalada sob justificativa de desenvolvimento e progresso local. O que não dilui a certeza de que a segurança da população estava em risco. Mas a força do forte se impõe perante o fraco, e somente quando a destruição acontece é que o frágil é valorizado enquanto vítima. Assim acontece com as tragédias anunciadas.
Assim as nossas tragédias comuns. E assim porque, para alguns, tanto faz que o mundo vire se eles se mantêm de pé. Ou que eles repousem bem enquanto outros convivam com sobressaltos.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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