*Rangel Alves da
Costa
Tenho nos
meus arquivos diversas fotografias de casas, casinhas e casebres sertanejos,
bem como de paisagens tipicamente nordestinas, onde se sobressaem as cactáceas
e a deslumbrante e árida natureza. Todas retratadas durante minhas andanças
pelas estradas, veredas e caminhos de meu sertão sergipano, lá nas distâncias matutas
de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, terra onde orgulhosamente nasci.
Na
verdade, tais retratos não servem apenas como recordação, mas muito mais que
isso. Servem como reencontro quando distante estou ou como presença quando
assim quero sentir. Através deles me aproximo cada vez mais do mundo que um dia
desejo ter. E meu desejo maior é um dia retornar ao berço de nascimento e me
embrenhar no mato para fixar moradia. Viver humildemente numa casinha singela,
na paz de silêncio e lua.
Na paz de
silêncio e lua e no contentamento de leveza e sol. Nada melhor que encontrar -
toda vez que abrir a porta - o alvorecer de canto passarinheiro, o farfalhar
das folhagens, o brilho do sol se alastrando pelos quadrantes, o bicho que
passa, o vento que sopra, a lua que desponta na boca da noite. Ouvir ainda o
rangido de um carro-de-bois, um berro pelos arredores, o trinar do tem-tem,
pássaro mensageiro, avisando do estranho que ao longe vem ou que já se
aproxima.
Não ter
preocupações maiores senão aquelas de viver e sobreviver. Uma sobrevivência sem
nada além do necessário para afastar a fome e a sede. Uma vivência de luz de
candeeiro, de café preparado em fogo de chão, de quartinha à janela e pote
molhado d’água. Remendar gravetos, recortar o vento, esverdear a folha seca,
marcar o chão no passo andante. Um viver apenas disso e num mundo que não
desejará mais que isso.
Sim,
também coisas essenciais. Meus livros, meus cadernos de rabiscar, minha Bíblia
Sagrada, meu terço, meu oratório. A vela na lua, a vela no sol, a fé por todo
lugar. Um tamborete para o visitante sentar, uma goiabada para oferecer. Ou
talvez uma casca de pau para aqueles que preferem outro sabor. E minha rede. Ou
minhas redes. Rede no sombreado do alpendre (se houver), rede debaixo do pé de
pau mais adiante.
Por isso
mesmo que ontem escrevi um pequeno texto onde já me via como vivente daquele
mundo tão diferente a muitos, mas tão meu de nascimento, de amor, de coração.
Tendo na mente uma daquelas casinhas, com olhar fixo na sua simplicidade, reconhecendo-me
em tudo pelos arredores, assim registrei:
“Pode
chegar. Não se preocupe com a porta fechada. Estarei aí dentro ou conversando
com as pedras ou os bichos pelos arredores. Um dia, somente aí, ou numa casinha
assim no meio do meu sertão, você poderá me encontrar. Faça uma visitinha para
ler um Salmo, para ler nos meus olhos a alegria do mundo...
Pode
chegar. Não se preocupe com a simplicidade do lugar, da moradia, do arranjado.
O sertão nasceu e em muitos lugares ainda vive num mundo assim, no barro e
cipó. Mas o prazer de se estar não é pelo luxo encontrado, mas pela acolhida do
morador. Eis o pão de toda acolhida: o coração que se compraz em receber...
Pode
chegar. Não se preocupe com o que possa ouvir de minha voz. Noutro mundo deixei
os frios conceitos e as rebuscadas e desnecessárias palavras. Desaprendi por
prazer, pois há prazer muito maior em ser apenas a voz do irmão. Qualquer
palavra serve para dizer, qualquer dizer serve para ouvir. Mas preciso de sua
sabedoria, pois nada sei além de imaginar uma frágil sabedoria. É a sabedoria
do homem, do sertanejo, do mundo-sertão, que quero aprender cada vez mais...
Pode
chegar. Não se preocupe se pareço um velho monge recluso em medieval monastério.
É que cansei do mundo lá fora, das falsas pessoas de lá fora, das mesmices
entediantes de lá fora. É que prefiro o silêncio e a solidão. E assim quero meu
mundo até que o bom amigo chegue para me dizer: “Que bom reencontrá-lo!”. E eu
acrescentar: “Assim a vida. Mas sou eu que enfim me encontrei!”.
E lá
estarei esperando sua visita. Nada leve como presente. Mas não vá sem o abraço,
sem o sorriso, sem a boa palavra, sem a nobreza do coração. Lá estarei um dia.
Espero sua visita. Não se preocupe com o pássaro tem-tem, ele pensará que você é
pessoa estranha. Mas creia: Você mora no meu coração. No mais profundo do meu
coração!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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