SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Palavra Solta - na boca da noite


*Rangel Alves da Costa


Não há momentos mais significativos que aqueles envolvendo a boca da noite. Esta quando chega traz consigo toda uma simbologia ao mundo sertanejo, nas distâncias interioranas de meu Deus. Chega sombreada, porém iluminada de cinzas do sol, orante, cativante, cheia de fé. É na boca da noite que as saudades se assomam aos olhos e corações entristecidos, que as mãos trêmulas se põem em oração, que os credos e ave-marias silenciosamente ecoam. É na boca da noite que tudo parece mais distante, mais saudoso, mais nostálgico e romântico. A ventania que passa levando folhagens, as vozes do vento relembrando sussurros e nomes. Em tudo uma canção antiga, ouvida mesmo sem canto algum. É o despertar do passado trazido pela boca sombreada da noite. Ainda que os ofícios chamem ao fazer, pois com café e cuscuz no fogão, ainda que as últimas roupas tenham de ser buscadas no varal, ainda que a vela tenha de ser acesa junto ao oratório, é a mente que mais convive, se encanta e se martiriza, com a boca cheia de noite e poesia. Há gente que chora ouvindo o dobrar dos sinos, há gente que finge ter paz quando se atormenta por dentro. Ah que saudade tanta! Logo ouviria uma voz de mãe chamando ao café. Mas agora somente o silêncio e a relembrança do último adeus. E mais tarde a lua inteira para navegar sobre os olhos d’água.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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