Rangel Alves da
Costa*
Cadê o
velho manuscrito que estava aqui? Dia após dia e ele servindo de norte a quem
desejasse, através de suas páginas, encontrar palavra e lição. Será necessário
encontrá-lo para que linhas continuem revelando as mensagens tão essenciais num
mundo agonizante. Página a página, tudo escrito à mão, um verdadeiro manual de
vida. E ainda recordo:
“Nunca
caminhe tão apressado que não tenha de deixar sua história guardada em baú.
Mais tarde, quando já estiver longe demais ou já tenha cruzado a última curva
do caminho, certamente que o baú será reaberto e os seus feitos surgirão. E
jamais queira que as suas relíquias não provoquem saudades, alegrias e
gratidões”.
“Primeiro
o coração e depois a ação. No coração a razão, no restante a certeza. E se há
uma estrada sem labirintos, pedras e espinhos, sempre será aquela primeiro
avistada pela consciência do passo a ser dado”.
“Mire-se
no exemplo da porta e da janela. Triste é a casa que se mantém com porta e
janela fechadas. Assim o ser humano que sem mantém com a boca e os olhos
fechados. Passam um tempo novo e uma luz brilhante quando a porta e a janela se
abrem. Então é preciso sorrir com os olhos e a boca para que o sol da alegria
seja avistado”.
“Seja comedido.
Nem tudo nem nada, nem demais nem tão pouco. Lembre-vos do Eclesiastes, aquele
livro bíblico ensinando que há na vida uma lei do eterno retorno: o que é já
não será, o que se mostra agora de uma forma, mais adiante já se mostrará
diferente. Daí que querer ter tudo agora é também querer não ter nada mais
adiante. Querer na medida é a certeza de não faltar”.
“Um dia,
perguntando ao velho senhor por que sempre afirmava gostar de dormir com uma
pedra como travesseiro, dele ouviu: No tempo dos erros, dos desacertos, das
coisas impensadas, não havia travesseiro macio que me fizesse dormir. Virava e
revirava na cama a noite inteiro, cheio de preocupação e sem ao menos adormecer
um só instante. Mas tudo ficou diferente depois que os caminhos ruins foram evitados.
Daí em diante passei a dormir contente e feliz até mesmo por cima de travesseiro
de pedra. E assim porque o que faz o homem é a sua consciência e não a maciez
de seu travesseiro”.
“Amor é
coisa que não existe mais. Não há mais paquera, namoro, aliança de compromisso,
noivado nem casamento de verdade. E quando há casamento. Hoje em dia, um
conhece o outro e, sequer sem saber o nome, já fala em paixão, em tudo o mais.
E então acontece de conhecer o corpo, o sexo, sem conhecer a pessoa. E ainda
chama isso de amor. E este, entristecido pelo desatino que dão ao seu nome,
apenas se recolhe aos cantos solitários à espera que algum dia alguém o faça
renascido de coração. Um amor onde haja busca, procura, beijo, abraço, saudade,
poesia, flor, contentamento. E que seja tão verdadeiro como a pessoa que diz
amar”.
“Quando o
discípulo pediu licença ao velho mestre para subir à montanha e de lá do alto
poder avistar as grandezas da criação. O velho sábio logo respondeu: Será
preciso descer, e não subir à montanha, se quiseres verdadeiramente conhecer as
grandezas da criação. Lá do alto apenas se avista o que está mais alto, ao
redor e mais abaixo. Mas aqui de baixo se avista tudo o que desejares, eis que
é pelo passo, na caminhada, que se conhece a vida, o mundo, as obras de Deus. É
por isso que são os caminhos terrenos que levam o homem ao céu, e não os cumes
altos de onde apenas se avista e não se sente”.
“Chore tua
lágrima, suba no teu barco e vá. E quanto mais chorar mais longe alcançará, até
que as lágrimas cessem e se ponha à deriva em mar desconhecido. E novamente
terá de chorar para retornar. Então por que não sorri e sobe nas asas do
contentamento para alcançar o horizonte que bem desejar?”.
Muitos
outros escritos estão nas páginas do velho livro. Contudo, ele desapareceu do
lugar onde repousava com páginas abertas. Talvez o vento tenha levado cada
palavra, cada página, tudo. Ou talvez apenas deseje que cada um escreva sua
própria história a partir das lições aprendidas.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário