Rangel Alves da
Costa*
Até parece
que avisto agora aquele menino. Minha mente forma retrato e moldura daquele
menino. Ei-lo ali sentado, cabisbaixo, com as mãos sobre os joelhos, em meio a
um meio capinzal de horizonte sombrio. Quanto mais fecho os olhos em reflexão
mais o encontro na sua moldura de silenciosa aflição. Está triste, muito triste
o menino.
Dificilmente
se avista um menino assim, todo entregue a tristezas. O pensamento costumeiro é
de um garoto sorridente, apressado, cheia de vida e de sonhos, atrás de fatos
novos para sua idade. Menino triste é difícil de encontrar, principalmente
quando sua fotografia mais parece de alguém prostrado em sofrimentos.
Há muitas
fotografias de solitários entristecidos pelos montes, pelos campos, nos passos
do entardecer. Também de pessoas mais envelhecidas pelos bancos das praças,
ladeadas por pombos e entristecimentos. Ou olhares tristes pelas janelas,
calçadas, escondidos e frestas de portas e janelas. Mas não é normal quando se
trata de um menino.
Mas
voltando a ele e seu retrato, o mesmo tem pele clara, cabelos negos, veste uma
calça azulada e uma camisa em tom mais claro, só que pouco se vê ante uma
coberta dobrada que se deita sobre o seu umbro e vai descendo pelas costas. O
capim está retorcido pela ventania, pelos arredores um tempo nublado e tão
entristecido quanto o menino. Não se sabe se longe ou perto da cidade, pois já
sombrio ao redor.
Há uma
paisagem melancólica neste retrato. O menino, ainda que de perfil, verdadeiramente
se mostra com semblante alquebrado, abatido. Seus olhos talvez marejados se
voltam para a linha onde o capinzal se estende, mas certamente nada avista além
do que o seu sentimento expressa. Deveras aflitivo ver e sentir um menino
assim, tão triste, muito triste. O que teria acontecido?
Há um
poema de Drummond, “Consolo na praia”, que assim diz: “Vamos, não chores… A
infância está perdida. A mocidade está perdida. Mas a vida não se perdeu. O
primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o
coração continua. Perdeste o melhor amigo. Não tentaste qualquer viagem. Não
possuis casa, navio, terra. Mas tens um cão. Algumas palavras duras, em voz
mansa, te golpearam. Nunca, nunca cicatrizam. Mas, e o humour? A injustiça não
se resolve à sombra do mundo errado. Murmuraste um protesto tímido. Mas virão
outros. Tudo somado, devias precipitar-se – de vez – nas águas. Estás nu na
areia, no vento... Dorme, meu filho.”
Traduzindo
para a realidade do menino triste, então se poderia ter: Vamos, menino, não
fique assim. Talvez este silêncio na tarde, talvez este recolhimento solene,
talvez esta distância de tudo, seja o instante que precisa para esquecer as
dores, as angústias surgidas e as desilusões persistentes. Mas ninguém sabe o
que te move ao sofrimento. Somente você, menino, conhece o que flui deste
sentimento. Um adeus forçado a dar, uma distância que não queria ter, uma
ausência que não consegue suportar, uma sombra que não consegue iluminar.
Imagina-se, mas ninguém sabe o que te move ao sofrimento. Tenha agora um lenço
estendido e uma mão pedindo que levante. E depois segue menino. Levanta-te e
vai que o mundo é teu.
Mas
menino, menino, a idade que tem não é a idade de sofrimento. Tudo pode ter
acontecido, bem sei, mas somente algo muito doloroso para, entristecido,
prostrar-se entre galhos e açoites, com uma feição tão dolorosa quanto um
desacreditado de tudo. Logo a noite chegará e não há lua nem estrela que
desejem iluminar as dores da tua face. O que enxerga adiante, o que lhe vem ao
pensamento, o que o deixa assim?
Eis os
mistérios da existência, da mente humana, da alegria e da dor em cada ser. Os
moinhos são movidos pela ventania, mas, e a tristeza profunda de um menino? Um
amor desfeito de infância, um pé de laranja lima que foi cortado, um desejo
negado pelos pais, algo tão querido que deixou de existir? Somente você sabe
menino. Mas saiba que também dói nos outros uma infância sofrendo assim. E o
adulto também entristece e chora perante o teu retrato.
Não sei se
mais tarde, quando a noite cair e a lua for apenas tênue sobre sua imagem, o
menino ali continuará na mesma posição e no mesmo estado sentimental. É que, em
situações assim, o tempo passa sem que se aperceba que a realidade passada já
foi transformada. E basta levantar para novamente viver. Não sei se ele
permanece por ali, sobre o capinzal e envolto na escuridão, mas desejo que uma
lua grande recaia sobre seu olhar. E ele possa voltar a sorrir.
Não há
mais tarde de revoada nem canção de despedida. Um sino logo dobrará outra
tristeza distante. Não consigo mais avistar o menino.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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