Rangel Alves da Costa*
Escrevi um pequeno texto sobre os braços
abertos do mandacaru e resolvi ampliá-lo. E por razões pessoais de um sertanejo
que ama sua terra, sua paisagem, sua vegetação espinhenta e sedutora. Também porque
além da catingueira, do sol devastador e da lua tão bela, há a vegetação
cactácea que está por todo lugar: na beira da estrada, em meio à vereda, no
quintal, nos descampados, dividindo espaço com os tufos de mato.
Reconhecendo-se o mandacaru como a absoluta feição sertaneja.
De nome científico Cereus jamacaru, o mandacaru se adaptou de tal modo às condições
climáticas da aridez sertaneja que ali fez casa e moradia. Não só passou a
conviver com o meio como se fez reconhecer majestoso, verdadeiro soberano do
sertão. Rei e guerreiro, humilde e atrevido. Seu porte altivo, seu corpo fino
encoberto de espinhos pontudos, amedronta e acolhe ao mesmo tempo. Na sua flor
e no seu fruto estão os modos de compartilhamento com os outros seres da
natureza.
Não possui folhas nem copa, não é lugar bom
para que o viajante se deite ao redor do seu tronco para descansar. É espécie
solitária, paciente e esperançosa. Parece mesmo alheia a tudo o que acontece ao
redor, seja sertão verdejante ou esturricado. Mas é sentimental, amorosa,
cativante. E ai de se perguntar aos pássaros, abelhas e meninos sertanejos
sobre tais características. Acaso fosse somente egoísta, indiferente e insensível,
não daria os frutos que dá nem enfeitaria tanto a paisagem com suas flores
maravilhosas.
Os
seus frutos e folhas servem de alimentos para pássaros e abelhas sertanejas,
mas também ao humano ávido por experimentar alimento diferente e tão colorido
ou mesmo matar a fome quando de suas caminhadas sertões adentro. Os seus frutos
surgem ao longo de seus braços, pendendo como bagas avermelhadas chegando ao
violeta, de carne esbranquiçada misturada a minúsculas sementes. Já suas
flores, nascendo nas partes superiores, são brancas com leves tons amarelados,
mas podendo ser também avermelhadas. Ao primeiro sol da manhã, nada mais belo e
encantador que avistar uma flor de mandacaru.
Sobre as flores do mandacaru, há de se dizer
ainda de seu contraste com a própria planta. Enquanto o cacto possui
resistência e longevidade, sua flor não dura mais que um dia de vida, ou menos
que isso. Desabrocha ainda na noite, mostra-se toda imponente ao alvorecer, mas
já começa a murchar após a forte claridade do sol incidir sobre suas pétalas. E
murchando vai até cair. Mas sempre dando tempo para que o sertanejo aprecie e
vele aquela beleza que se despede para o renascimento. E renascer na chuva,
pois dizem que flor de mandacaru chama trovoada ao sertão.
Mas o mandacaru, cacto símbolo maior do
sertão, carrega em si outras simbologias verdadeiramente maravilhosas.
Simboliza a permanência, a força, a esperança, a tenacidade, o suportar as
agruras sem esmorecer ou definhar de vez. Simboliza a beleza, a majestade
sertaneja, a demonstração da pujança na sua flor. Sim, pois mandacaru tem flor
e não há flor mais bela que a do mandacaru. Ao alvorecer, quando toda mataria
entristece de sequidão, a flor é avistada no alto ou nas pontas de suas mãos,
de forma singela e esplendorosa, ávidas por um beijo do primeiro pássaro que
surgir.
Simboliza ainda a terra seca, a sequidão de
gente e de bicho, a paisagem matuta no seu sofrimento. Quando tudo morre,
quando tudo padece, quando tudo desesperança de vez, lá ele estará em meio ao
tempo na sua altivez inabalável. E de braços abertos. Neste gesto a simbologia
maior: a fé sertaneja. O mandacaru, sempre de braços abertos, levantados em
direção aos espaços, erguidos rumo aos céus, representa a fé maior de todo o
sertão. É um mandacaru ser sertanejo, como pessoa que roga, que pede e implora,
que diuturnamente se mantém na mesma posição de clemência divina.
Neste gesto de prece, de clamor, de louvação,
implorando que as chuvas logo caiam para diminuir o sofrimento de seu meio e de
seu povo, silenciosamente faz sua invocação que sempre começa assim: Oh Deus de
misericórdia, em nome de São José Sertanejo e Maria de Entre Nós, tende
compaixão do homem, do bicho, do chão sofrido, da vida que queima, que sente
fome e sede, que tanto espera de Ti um simples gesto em forma de pingo d’água.
Fazei, pois, que, de pingo a pingo, o sertão renasça para a glória maior de
seus filhos, estes devotos e penitentes pelos caminhos de tanta e toda fé...
Assim, chegando ao sertão e percebendo que se
encontra num imenso templo de fé e religiosidade, o viajante não durará para
encontrar candelabros espalhados por todo lugar. Ali os mandacarus de braços
abertos em eterna louvação.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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