SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

DUAS POESIAS (E UMA NOITE)


Rangel Alves da Costa*


É como se na noite vaga, debaixo da lua errante, sentado num velho banco de praça, de repente me chegasse o transbordamento da poesia em grito e voz:

“Longe de ti são ermos os caminhos
Longe de ti não há luar nem rosas
Longe de ti há noites silenciosas
Há dias sem calor, beirais sem ninhos

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas
Abertos sonham mãos cariciosas
Tuas mãos doces, plenas de carinho

Os dias são outonos: choram, choram
Há crisântemos roxos que descoram
Há murmúrios dolentes de segredo
Invoco o nosso sonho, entendo os braços

e é ele oh meu amor, pelos espaços
fumo leve que foge entre os meus dedos”.

É como se na solitária noite, debaixo dos sonhos estrelados, dispersos nas vaguidões da existência, de repente me chegasse a poesia embriagada além do Fumo e toda Florbela Espanca sobre minha dor se derramasse sem piedade.
E não contente com o seu Fumo que entontece e embriaga, não satisfeito com a fumaça pérfida que escorre pelos ares e envolve de névoa o meu desesperançado olhar, eis que Florbela ainda me joga em afiado punhal o seu Fanatismo:

“Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
 Meus olhos andam cegos de te ver!
 Não és sequer a razão do meu viver,
 Pois que tu és já toda a minha vida!

 Não vejo nada assim enlouquecida ...
 Passo no mundo, meu Amor, a ler
 No misterioso livro do teu ser
 A mesma história tantas vezes lida!

 "Tudo no mundo é frágil, tudo passa ..."
 Quando me dizem isto, toda a graça
 Duma boca divina fala em mim!

 E, olhos postos em ti, digo de rastros :
 "Ah ! Podem voar mundos, morrer astros,
 Que tu és como Deus: Princípio e Fim!..."

E ainda vagante na solidão da noite enluarada, bêbado de paixão e ébrio de abandono, apenas sigo o que me permite o destino. E faço da poesia minha própria história e choro cada verso no instante vivido de desalento e aflição. Florbela, Florbela, tua poesia é o meu espelho... Fumo leve que foge entre os dedos, ou como um Deus de princípio e fim!


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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