Rangel Alves da Costa*
Acerca do luto, as definições são muitas,
dependendo da abordagem escolhida. Há o luto rotineiro, tradicional, aquele
caracterizado pelo uso de roupa escura até certo tempo após a morte de alguém. Dependendo
da sociedade, outras cores assumem a simbologia da perda e do pesar ainda
presente. Há o luto festivo, onde contínuos rituais representam a entrega do
falecido à outra vida e dizem de sua importância no mundo dos vivos.
No mesmo sentido, o período de consternação
pela perda de alguém querido, que se diferencia entre os povos. Em termos
psicanalíticos, o luto envolve a perda do elo entre uma pessoa e seu objeto, sendo
a reação à perda sua característica maior. A tristeza profunda, melancolia e o
distanciamento da realidade seus reflexos mais imediatos.
Na tradição cristã, o luto envolve desde a
missa de corpo presente às demais liturgias em memória da pessoa falecida. Noutra
esfera, há também o denominado luto oficial, geralmente de três dias, decretado
pelos governos após o falecimento de figura proeminente. Diz-se ainda do luto
interior ou da consternação pessoal com perdas outras que não de entes
queridos. Assim, enlutece também quem de repente se vê alijado de amor, de
amizade, de coisas importantes que façam parte de sua vida.
De qualquer modo, o luto é tradição
expressada no sentimento de tristeza ou pesar pela morte de alguém. Enlutece
aquele que após a partida de um ente querido se veste de negro por um
determinado período de tempo, podendo ser um mês ou mais, chegando a ano ou
mesmo mais. Pessoas existem que vão tingindo roupas após roupas, de modo que
três ou quatro peças sirvam para todo o enlutamento.
Na tradição, também as variações no pesar,
eis que alguns se vestem de negro dos pés à cabeça e após um ou três meses vai
arrefecendo o luto com o uso de roupas de outras cores, desde que em tons
sombrios ou escurecidos. Outros apenas se negam a vestir roupas coloridas por
um período, tendo ainda outros que preferem o luto pelo resto da vida. E não só
o luto na roupa, mas também na alma e na existência, pois passam a viver como
sob um manto se fim de saudade, de pesar, de melancolia, de entristecimento.
Hoje é raro de acontecer, mas pelos lugarejos
remotos ainda se encontra viúvas com luto completamente fechado. Além das
vestes inteiramente negras, também levando consigo uma feição sombria, chorosa
e inafastável do defunto desde muito sumido da terra. Seria apego em demasia ao
ente querido, seria demonstração de amor extremado ao desaparecido, seria o
exercício da morte em vida? Nunca se sabe, pois o verdadeiro luto está no
silêncio doloroso da alma, do sentir, e jamais na cor da roupa que alguém possa
vestir.
Mas conheço alguém, uma velha viúva, que tem
na ponta da língua a resposta quando perguntada pelo luto fechado já desde mais
de trinta anos: assim a minha vida desde a partida daquela vida, nessa cor da
noite mais escurecida, nessa lágrima que eternamente chora por dentro. E
acrescenta: não poderia viver na alegria ou no contentamento se a alma não
clama por outra coisa senão por saudade, por lágrimas e desejos daquela
presença.
O luto tantas vezes é tão fechado que a
pessoa evita até sair à rua, a caminhar nos afazeres do dia a dia, a ter uma
vida dentro da normalidade. Quando abre as portas de casa é para ir ao
cemitério visitar o túmulo de seu defunto. Vai levando velas, buquê de flores,
perfumes, retratos antigos e tudo o que houver que represente relação com o
ausente. Com um véu negro sobre a cabeça, vestido negro comprido até os pés,
certamente com os olhos encharcados de lágrimas, vai seguindo como uma figura
aterradora em plena luz do dia. E também já nas horas escurecidas do dia,
adentrando na noite.
E assim permanece até o dia em que também
partirá. E nem sempre com nenhum luto de um parente que fica. Sequer a
lembrança, a saudade, pois a morte também pode representar o fim absoluto de
tudo.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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