*Rangel Alves da Costa
Nos versos de Flávio Venturini, eis que meu
olhar se lança nas curvas aguadas do Velho Chico para, na visão do seu leito,
dizer de quanto pulsa o coração pelas memórias e saudades tantas. Saindo das
margens escondidas na região de Cajueiro, então o coiteiro Messias Caduda vai
conduzindo Maria Bonita do Capitão até as ribeiras de Propriá. A cangaceira
precisa cuidar da saúde. Acaso olhasse pra trás, nas curvas do tempo, iria
ouvir o apito do Vapor Moxotó, ainda em 1917, cortando as águas para depois
naufragar ao largo de Belomonte, defronte a Bonsucesso, nos sertões sergipanos
de Poço Redondo. No murmurejar das águas, as velhas moradias dos grandes peixes
que não passam mais. Surubim, tubarana, peixe grande, fartura. Os canoeiros
acordam suas canoas e barcos do repouso noturno. Redes, anzóis, varas,
tarrafas, cuias com piabas para servir como iscas. Era uma fartura de peixes
derramados nos cestos grandes. Das calçadas altas de Curralinho (assim tão
altas para proteger a povoação das enchentes grandes do rio), as mulheres
debruçadas em suas janelas ou assentadas em velhas cadeiras. Avistam seus
pescadores, mas enxergam também o passado. As grandes canoas de tolda chegando
e partindo, os vapores apitando e carregando e descarregando gente, levando e
trazendo sacos, toda uma vida através das águas. As vendas de Chico Bilato, Seu
Neguinho e Wilson, e outras mais por detrás das portas largas, são de pouco
sortimento, mas suficientes para servir aos ribeirinhos e visitantes. Cajuína,
tubaína, bolacha Maria, vinho de jurubeba, mariola, bolachão doce, goiabada.
Mais adiante, nas beiradas do rio, os panos e as roupas lavadas sendo
estendidos. As lavadeiras cantavam felizes, prazerosas daquele viver singelo.
De vez em quando se ouvia o som rasgado de uma sanfona. Ninguém sabe ao certo
se de Valter ou de Ciano. Pelos beirais do rio, do alto das pedras grandes, o
nego d’água dava batim estrondosos. E de repente já aparecia dentro de uma
canoa, para assustar o pescador, e depois sumir em gargalhadas. Os mistérios e
as lendas do rio. E era para afastar o desconhecido que as embarcações
despontavam trazendo na proa a carranca de dentes grandes, feição tenebrosa,
sempre assustadora. Um símbolo do rio que o tempo levou. E tudo passou, tudo o
vento levou. Mas meu olhar ainda se lança nas suas águas e o meu coração se faz
saudoso pelas curvas de um rio, rio, rio...
Nenhum comentário:
Postar um comentário