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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

MEU PRIMO APOYAN (Crônica)

MEU PRIMO APOYAN

                                   Rangel Alves da Costa*


Sempre achei o nome do meu primo bonito, diferente, agradável de ser pronunciado. Apoyan. Nunca soube ao certo o significado nem nunca perguntei a ele ou a ninguém. O dono do nome guardava segredo e se perguntado apenas olhava para o alto com os olhos brilhando.
A última vez que avistei o meu primo foi há mais de mil anos. Talvez um pouco mais que isso. Apenas avistei ao longe, voando sobre a montanha alta onde fazia moradia dentro de uma caverna. Ele voava sim de vez em quando, tendo asas nos olhos e no ceu da boca. Também era vento quando queria, pois possuía uma janela aberta bem perto do coração.
Pouco antes desse último avistamento ele havia descido descalço a montanha, passando sem sentir dor alguma por cima de espinhos e pontas afiadas de pedras, e encontrado comigo num vale lá embaixo. Eu pastoreava um pequeno rebanho de ovelhas e havia parado para saciar a sede num pequeno rio de água cristalina.
Avistei- no espelho da água enquanto estava agachado fazendo de cuia as duas mãos. Ele ainda vinha um pouco distante, mas o seu rosto já refletia no espelho molhado. Olhos de profeta, rosto de sábio, sorriso enigmático, sempre misterioso meu primo Apoyan. O cristalino da água parecia se encantar com a sua presença.
Também ouvi sua voz quase silenciosa pertinho de mim, ao lado do meu ouvido, mesmo que ele estivesse de boca fechada e lentamente caminhando em minha direção. Talvez simplesmente levitasse no seu passo. O que a voz dizia? Simplesmente: Meu parente, sua sede é menos de água do que de compreensão das coisas que saciam a vida.
Voltei a cabeça, olhei pra trás, e já o encontrei a pouca distância, vindo, chegando feito brisa, amparado no seu cajado. Não precisava de cajado, eu bem sabia disso. Não vacilava na locomoção, não precisava espantar animais no caminho nem afastar incômodos. Tudo esperava contente e respeitava a sua passagem. Somente depois pude descobrir a serventia desse cajado.
Não era velho nem novo, não se podia sequer imaginar uma idade para quem parece ter nascido para viver eternamente. Possuía vigor físico e saúde, tudo regrado a uma dieta de folhas orvalhadas. Nesse alimento estava o sólido e o líquido, segundo ele, e por isso mesmo não colocava na boca mais nada na vida. Como só se alimentava ao amanhecer, quando sentia fome molhava o lábio com a seiva das flores silvestres.
Primo, mas que bom te ver, disse ele. Ainda estava de cócoras à beira do estreito rio, mas nem pude levantar porque pediu para que eu ficasse onde estava e como estava. Achei estranhei porque não me sentia bem falando com alguém estando de costas, ademais precisava levantar para dar um longo e apertado abraço.
Fique onde está primo, por favor fique onde está que já estarei diante de ti. Disse ele. E num segundo já estava sentado, à moda dos indianos, por cima da lâmina azul de água. Que belo e franco sorriso, num rosto que não mostrava nem rugas nem outras marcas próprias da idade, mas tão-somente uma serenidade juvenil que me encantava e enternecia.
Mas primo, quando o encontrei pela última vez já estava muito mais velho e agora se apresenta diante de mim com esse aspecto jovial todo. O que aconteceu com você primo Apoyan? Perguntei sem ter a certeza que seria uma boa pergunta, mas no estado que estava não poderia pensar em algo mais inteligente.
E após ouvir minha pergunta ele sorriu e fez o que eu jamais poderia imaginar. Eis que num instante retomou uma face envelhecida, com longa barba toda branquinha e um semblante digno dos magos e profetas que tanto se vê em filmes. E agora primo, agora estou à altura do que esperava me encontrar?
Guardei um profundo e respeitoso silêncio. Não sabia mais o que dizer diante daquela situação. Então foi ele que, continuando com a mesma feição envelhecida, me instigou a falar e perguntou se eu não pensava em perguntar o porquê de seu nome e do seu cajado.
Apenas balancei levemente a cabeça confirmando que sim. E então ele levantou, depois desceu na água até a cintura, e disse:
“Se você me conhece como Apoyan, então o meu nome é Apoyan. O pássaro me chama de grão, a pedra me chama de palavra, a chuva me chama de nuvem. Então, primo, que nome terei? Prefiro ter o teu nome. O teu nome é o mais belo e doce da vida. Haverá nome mais bonito que Jesus? Você me empresta o teu nome?”.
Mas respondi que o meu nome era João, não era Jesus. Então ele disse que tomaria assim mesmo o meu nome por Jesus. E esse seria o nome que usaria por um bom tempo, até que eu o recolhesse de volta ao meu coração.
E sobre o cajado? Perguntei. Era apenas um presente que há muito eu guardava para te dar e assim guiar melhor teu rebanho, principalmente quando as ovelhas não quiserem acreditar que existe um Jesus no coração desse bom pastor.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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