SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: UM CANTO DE TANTA SAUDADE

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: UM CANTO DE TANTA SAUDADE

                                          Rangel Alves da Costa*



Conto o que me contaram...
Dizem que num fim de mundo sertanejo, lá bem longe do lugar mais longe ainda, onde o sol tomava conta da lua e a seca tomava o lugar de toda esperança, não havia outro lugar que existisse líquido corrente senão num riachinho de água salobra que existia nos arredores.
Para o dito riachinho acorriam as mulheres com potes e vasilhas na cabeça, os vaqueiros com seus animais famintos e sedentos, as crianças e todo mundo para espantar a sujeira de tanto suor, os molecotes para fazer reinações nas pedras e poços, e também as lavadeiras com suas trouxas de roupas.
Uma dessas lavadeiras limpava as sujeiras e encardidos dos tecidos que levava de uma forma bem diferente das demais. Não se juntava com as outras amigas de sina, do lavar roupa dos outros para ganhar tostão, preferindo sempre se distanciar um pouco mais e ficar pelas beiradas mais adiante cantando seus cantos de tristes lamentos.
Na verdade, a lavadeira se afastava das amigas por vergonha de ver descoberta a trouxa de roupas que sempre levava para a lavagem. Enquanto as outras ensaboavam, batiam e retorciam os panos imundos, aquela lavadeira levava apenas roupas limpinhas, lavadas quase todos os dias e novamente jogadas na água e no sabão de pedra. Mas por que fazia isso?
Pela saudade, seu moço, pela imensa saudade do dono daquela roupa, que outro não era senão seu esposo que havia partido para bem distante e deixado como lembrança apenas aquelas duas calças e duas camisas. E para não sofrer muito mais, sentir a presença dele naquelas roupas, saía com elas para serem lavadas, ainda que limpas, nas águas barrentas do riachinho.
E depois de tirar os panos da trouxa começava a cantar o seu canto de tanta saudade: “Que venha meu amor simbora/ que venha meu amor agora/ saudade é coisa que maltrata a gente/ deixa doída e um tanto diferente/ vida não presta com o amor distante/ fere e machuca como num rompante/ se a gente chora é mermo que nada/ tudo só passa com sua chegada/ Entonce venha meu amor simbora/ que venha meu amor agora/ saudade é coisa que maltrata a gente/ deixa doída e um tanto diferente...”.
Com o tempo e nada do seu esposo retornar, um dia a lavadeira se deu conta de que se ele demorasse muito não haveria nem mais frangalhos de panos para lavar e ficar recordando com o seu canto triste. De tanto lavar, ensaboar e retorcer, as roupas já estavam irreconhecíveis. Então ela olhou entristecida para os restos jogados na beira do riachinho e soltou novamente a voz:
“Amor, coisa de placa de aço/ costurado com o bronze da paixão/ que veste a gente de ferro da esperança/ fortaleza que se torna o coração/ Mas se o amor não vem/ não diz quando vai chegar/ é igual a pano velho/ que não dá mais pra lavar...”.  




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: