Rangel Alves da Costa*
“Nunca mais li um belo poema de amor...”.
“O amor no verso, na estrofe, na inspiração, no motivo, na métrica, mas não no poeta. Infelizmente...”.
“E por quê?”.
“A resposta na poesia: O poeta é um fingidor/ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente...”.
“Fernando Pessoa, Autopsicografia, lindo poema...”.
“E também Shakespeare, ao escrever: O louco, o amoroso e o poeta estão recheados de imaginação!”.
“Então o amor expressado não passa de fingimento ou imaginação?”.
“Não de forma generalizada...”.
“No poema certamente haverá amor verdadeiro, mas quando? Eis uma questão a ser bem pensada...”.
“Por exemplo, se escrevo um poema de amor dedicado a você, os versos podem não ter nenhuma qualidade literária, mas o amor jamais poderá ser contradito...”.
“Mas você bem disse que algumas dessas belas poesias expressam a verdade amorosa...”.
“Sim. Mesmo famosos, os grandes poetas são também humanos, e como tal também apaixonados, enamorados...”.
“Então entra outra questão...”.
“Várias questões. Desculpe-me, mas não posso esquecer que nesse ponto se pode pensar no fingimento poético, na poesia como mero ofício do poeta, além de uma coisa muito mais interessante: o poeta solitário, aflito, melancólico, entristecido, praticamente desprezado pelo mundo, e ainda assim encontrando inspiração para falar em amor, e tão bela e profundamente”.
“Realmente. Mas vamos por parte. Quando se ama tudo fica mais fácil, a inspiração é reflexa dos sentimentos...”.
“E quando não ama inventa o amor, traz para sua pena uma ilusão e fantasia um sentimento que talvez tivesse se estivesse amando...”.
“Mas o faz de uma forma tão completa e singela que é como se a verdade amorosa estivesse ali esboçada...”.
“Eis a genialidade poética: dar forma aos sentimentos escondidos, aos segredos da alma, aos recônditos do espírito...”.
“E muitas vezes consegue alcançar o leitor de tal forma que o mesmo se verá refletido naquelas palavras”.
“Mesmo a dor, o sofrimento, a tristeza...”.
“Isto porque a poesia não segue um passo próprio, não possui uma direção. O poeta imagina apenas descrever uma desilusão amorosa, quando o leitor sente ali a sua verdadeira tragédia; o poeta às vezes apenas insinua, quando o leitor toma a rédea dos seus versos e vai chorar e vai sofrer...”.
“Interessante. E saber que o poeta muitas vezes não tem nada a ver com o que escreve...”.
“É doloroso saber disso, mas a pura verdade. Dificilmente a pessoa não relaciona a poesia à própria vida do poeta...”.
“E também não é difícil que apenas pela leitura a pessoa não saiba distinguir que ali está Shakespeare, Walt Whitman, Drummond, Cecília, Vinícius, Quintana, Florbela...”.
“Por falar em Florbela Espanca, já imaginou se esta poetisa portuguesa refletisse ao menos a metade, enquanto mulher, do que expressa na sua poesia?”.
“Sinto paixão por Florbela. Na sua poesia sinto várias faces: há o grito amoroso da desilusão, há a mulher gritando pela absoluta emancipação, há o sentimento inesperado ali jogado...”.
“E de um romantismo extravasado: “Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida/ Meus olhos andam cegos de te ver!/ Não és sequer a razão do meu viver/ Pois que tu és já toda a minha vida!...”.
“E também: Longe de ti são ermos os caminhos/ Longe de ti não há luar nem rosas/ Longe de ti há noites silenciosas/ Há dias sem calor, beirais sem ninhos!...”.
“Incrível, mas vejo esta mulher com um cigarro aceso, um copo de vinho, olhos melancólicos, tristes e voltados para o horizonte...”.
“Diferentemente do que se imagina de Shakespeare, pois um galanteador frequentando cortes e jogando versos amorosos às madames e virginais...”.
“E como deveríamos imaginar outros poetas?”.
“Muitas vezes carregando uma rosa de sangue, um lenço embebido de lágrima, uma caminhada pelos bosques da solidão...”.
“Outras vezes nas noites na taberna, sob a vela do aposento escurecido, alguém que olha para chuva caindo e a ela se mistura...”.
“Tudo se pode imaginar. Tanto do poeta como da poesia”.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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