Rangel Alves da Costa*
Sem medo de errar, digo ser impossível que até o mais casto de vez em quando não incorra no pecado íntimo, interno, surgido no âmago. E se o pecado surte efeito também na imaginação, no querer, no sentir, então certamente a violação da pureza da alma é mais comum do que se imagina.
Denomino pecado íntimo a transgressão das virtudes, morais e religiosas, que não propriamente através da ação material ou objetiva, nem na violação dos preceitos e mandamentos religiosos. Neste caso, o íntimo não é pecado visível, praticado abertamente, de modo que os outros possam sentir.
Pecado íntimo seria então aquele que é praticado e permanece escondido na pessoa, no seu íntimo, cometido sem que a pessoa ao lado sequer imagine. Um sacerdote, por exemplo, poderá pecar intimamente ao olhar com velada volúpia para as coxas da jovem beata sentada na primeira fila. E seriam infinitos os exemplos.
Mas um olhar sobre o conceito geral de pecado servirá para esclarecer melhor tal ponto de vista. Assim, tem-se o pecado como transgressão de lei ou preceito religioso; o erro cometido que aflige a alma do transgressor das virtudes religiosas; ofensa à lei de Deus por livre e espontânea vontade. É definido pela Igreja como uma palavra, um ato ou um desejo contrário à lei eterna.
Neste último sentido, quando se fala em pecado como desejo contrário aos mandamentos religiosos, pode ser observada a exata noção do que seria o pecado íntimo. Na forma e na manifestação do desejo se assenta a transgressão, a violação da fiel conduta cristã. Assim, se o desejo íntimo contraria a moral cristã, certamente que a pessoa desejosa estará incorrendo em pecado.
O pecado íntimo também estaria próximo do denominado pecado venial. Este é o pecado leve, que não atormenta a quem o pratica, não traz consequências graves no julgamento final. Na doutrina cristã, é aquele que não chega a destituir o pecador da graça divina, embora a reduza. Logicamente que se opõe ao pecado dito mortal, cuja reconhecida gravidade leva à danação a alma do pecador.
Talvez seja considerado na mesma esfera do chamado pecado habitual, que é aquele que continuamente macula a consciência do indivíduo até ser perdoado, mas não pelo próprio indivíduo, e sim por uma espécie de indulto recebido. Contudo, nem o pecado íntimo nem o habitual perdem a gravidade diante da qualidade do pecador, eis que seria impensável, por exemplo, que um religioso, uma beata ou um extremamente devotado, seja perdoado pela prática daquilo que mais combate.
Há uma premissa jurídica afirmando que a ninguém é dado o direito de desconhecer a lei. Mas o seu completo desconhecimento tem o dom de eximir a pena pela sua infringência. É o chamado erro de ilicitude do fato ou erro de proibição. Isto foi citado para confirmar a tese de que o dever de conhecimento do que seja pecado, sua gravidade e suas consequências, não é o mesmo para todas as pessoas.
Ora, o religioso tem o dever de saber que olhar para pessoa estranha, ou mesmo dentro do círculo de relacionamentos, com concupiscência, com intenso apetite sexual, com vontade de possuir, de ter, de fazer isso ou aquilo, é pecado com consequências. O mesmo grau de conhecimento não tem outras pessoas. E estas muitas vezes agem pecaminosamente sem saber que naquele ato em si, de ver e querer, de desejar, reside uma transgressão religiosa.
E porque desconhecem ter havido pecado na ação, eis que habitualmente quase todo mundo olha para determinados corpos praticamente querendo comer, lamber, abusar, numa exacerbada intencionalidade sexual, é que acabam sendo isentados pela transgressão voluptuosa. O mesmo não deveria ocorrer com quem conhece bem a valoração de cada gesto pecaminoso e suas consequências. E ainda assim habitualmente transgridem.
Do exposto, decorre a inafastável certeza que o pecado não é violação que afeta apenas sujeitos mundanos, indivíduos que não temem sua transgressão. Pelo contrário, vez que é mais ainda subsistente naqueles que tinham o dever – por conhecimento – de afastá-lo dos outros e de si. Mas não, pecam tão intimamente que a cada olhar, a cada desejo escondido, colocam mais lenha na fogueira que os aguarda.
Poeta e cronista
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