SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 18 de setembro de 2012

VISITANDO A POBREZA (Crônica)


                                          Rangel Alves da Costa*


Não precisava de mapa, de GPS, de pedir informações, nada desse tipo. Até mesmo nos arredores da cidade já podia encontrar a feição da família que iria visitar naquele dia. Mas minha intenção era seguir adiante e caminhar um pouquinho mais até chegar a qualquer casa de beira de estrada, por dentro dos matos, perdida nos descampados.
Por ali vejo um barraco num pé de serra. Uma velha catingueira adiante, um cachorro magro esperando sorte melhor na vida, uma galinha ciscando na malhada. Alguém está estendendo uns panos no varal. Juro por Deus que não sei como lavar roupa por aqui. Sinto um cheiro bom de café torrado, néctar dos deuses que deve estar em ponto de fervura por cima do fogão de lenha.
Um pouco mais adiante vejo o dono da casa abrindo a porta e saindo com um alforje descendo pelo ombro e levando uma espingarda velha descida no ombro. Usa chapéu de couro e roupa simples do sertanejo, rasgada em muitos lugares e remendada em tantos outros. Uma mulher desponta de lá de dentro e lhe entrega uma cabaça e um pequeno objeto enrolado num pano. Deve ser a água e alguma comida. Pra luxo demais, uma perna de preá assado, mas com certeza um pouquinho de farinha com rapadura.
Deve ser um sertanejo desempregado, sem terra pra trabalhar nem qualquer empreitada a fazer, que se torna caçador por necessidade. Ouvia dizer que há muito tempo atrás, ainda quando a natureza não estava tão agredida e a mataria escondia bichos de muitas espécies, sair para caçar por necessidade de alimentar a família era coisa muito produtiva. Havia o veado, o preá de atrapalhar a caminhada, a nambu, a codorna, galinha do mato, tamanduá e muito mais. Mais hoje o homem corta vereda sem fim e muitas vezes volta só com o cansaço e a desesperança. 
Mas sigo adiante para avistar um sombreado por trás de umas árvores ressequidas e logo imagino ser uma taperinha esquecida no tempo, construída ali, mas que por algum motivo não foi suficiente para sustentar morador. Nesse sertão tem muito casebre assim, levantado na ripa, no cipó e no barro batido, que serve de moradia por algum tempo e depois é abandonada. Geralmente isso acontece por causa das estiagens mais prolongadas que espantam o homem da terra e o joga ao deus-dará nas estradas.
Caminho um pouco mais para enxergar mais de perto o sombreado avistado e logo me surpreendo ao avistar alguém se movendo adiante. Transponho a mataria cinzenta e desfolhada e avisto não apenas uma pessoa, mas duas, dois velhinhos mais precisamente. Com uma vassoura feita de garrancho fininho, a velha senhora, cheia de saiote antigo e que um dia foi florido até o meio das canelas e com um pano não menos recente enrolado na cabeça, ela parece nem se importar com minha aproximação.
Ela apenas olha e retorna a varrer o chão arenoso e cheio de folhas caídas. Cumprimento, peço licença porque estou chegando e a velhinha olha pra mim um pouco por baixo como se estivesse apontando com o seu olho profundo noutra direção. E estava mesmo, logo percebi. Talvez em obediência à tradição familiar, ela não me acolhe sem antes eu me dirigir ao homem da casa que está nas proximidades, sentado num tronco de pau deitado e fumando um cigarrinho de palha.
Após ouvir o cumprimento, ele me acenou dizendo que chegasse mais, que fosse até ali onde estava. Perguntou se eu queria um gole de café, pois era a única coisa que podia oferecer nesse dia, e acabei aceitando. Estava quentinho, mas quando experimentei senti um gosto estranho e muito diferente. E ele me disse depois que na falta do pó de café não havia outro jeito senão catar folha seca de umbuzeiro, pisar no pilão e usar como pó. E sorrindo, disse ainda que não era só café do bom como também servia pra limpar e fortalecer os dentes.
A conversa foi ficando animada, prazerosa demais, cheia de causos do arco da velha que tanto gosto de ouvir. Falou-me da solidão do casal naquele lugar, dos motivos que não podiam sair dali e da falta de parente ou aderente em qualquer canto que fosse. Conversou sobre sua vida de vaqueiro, de homem da roça, da sua amizade com os bichos e a natureza e dos problemas que a idade avançada ia trazendo.
Acabei sendo convidado a conhecer a taperinha onde moravam. Uma porta de madeira apodrecida e caindo aos pedaços, dois velhos tamboretes de madeira, a sala e um quarto, sem outras dependências. A cozinha ficava num puxadinho na parte de detrás. Um fogão de lenha no quintal, panelas de barro quase sem serventia, uma mesa feita de tábua pregada em dois troncos, uma cama de varas. Dois potes, estando um vazio, uma moringa e outras quinquilharias.
E pendurado na parede de barro uma imagem do Sagrado Coração de Jesus. Mais abaixo uma tabuleta com os seguintes dizeres “A riqueza do homem é sua fé em Deus”.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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