Rangel Alves da Costa*
Não quero somente o silêncio, mas preciso também estar sozinho, e sozinho pra falar baixinho o que não me disse ainda por medo de sofrer demais. Ou o silêncio do grito...
Um silêncio para falar de amor, ainda que este amor seja o motivo maior para querer ficar em silêncio e confessar baixinho o quanto sofri por amar, mas disposto a padecer muito mais em nome daquilo que não posso deixar de sentir.
Um silêncio para gritar por dentro, sussurrar no olhar, redesenhar com as mãos outros gestos de adeus, revelar na pele a saudade sentida, confessar no coração as palavras que não puderam ser ditas.
Um silêncio tão profundo que a voz da mente sairá como grito, e que o vento da janela aberta levará pelo ar o nome, o sentir, o desejar, o querer demais. E neste silêncio permanecerei procurando encontrar a palavra que tanto faltou.
Um silêncio que ouça sua voz entrar pela janela, invadir o quarto, entrar em mim como um brado, um berro, um chicotear. E dizendo tudo, falando a verdade, revelando segredos, e talvez somente assim eu possa entender o que houve para que esse silêncio seja tão doloroso assim.
Um silêncio espelhado, refletido, cheio de miragens, visões de fotografias, com seu rosto surgido do nada, seu corpo diante de mim, a proximidade da umidez dos seus lábios, o perfume de mil frascos derramado nas minhas narinas. E depois a voz falando baixinho ao meu ouvido.
Um silêncio que seja um silêncio tão grande que não ouça minha loucura, o meu grito desesperado, o meu choro aflito, minha mão violentando a parede, os meus pés maldizendo a mobília, minha raiva ferindo o mundo. E um silêncio tão profundo que nem eu mesmo possa ouvir minhas tempestades internas.
Um silêncio que além de você, de sua voz, do seu corpo e do inebriante perfume, possa também ter outras vozes, outras presenças, outros clamores do passado. Você está, você continua porque não sai de mim, do meu pensamento, da minha presença, mas também o que jamais se ausentou em mim.
O silêncio na voz da minha infância, da minha adolescência, de um passado efervescente, tão menino e tão moleque, que corta qualquer silêncio só de pensar no vozerio da liberdade. Quem dera esse silêncio cortante me ensinasse o caminho de volta, ecoasse onde fica a velha estrada perdida, para ir lá buscar os motivos de agora.
O silêncio do tanto e tudo feito, do tudo desfeito e ainda assim tudo perfeito, porque na mudez dos anos é que os lanhos do corpo começam a gemer baixinho. E quanto mais sangra, mais lancina, mais dói, mais o silêncio se faz na boca incapaz de gritar porque voltada para outro grito.
Talvez ouça minha avó me chamando para contar estórias, meu avô pedindo que vá buscar o alazão, minha mãe dizendo que eu saia da chuva, meu pai vociferando de chicote na mão. Meu irmão chorando por causa da bola furada, minha irmã em pranto por causa da boneca de pano, e eu mesmo gritando por tudo na vida.
Esse silêncio que não me impede de ouvir as águas corredeiras do riachinho, a passarinhada barulhando na mataria, o uivo do lobo em noite de pouca lua, o papagaio dizendo que sou feio e bonito, a janela da tarde deixando a ventania entrar. E também o ribombar dos trovões, o rasgar relampejante, uma voz aflita que não sei do que nem de quem será. Só pode ser minha.
Por que tanta voz nessa hora, por que tantos gritos e tantas vozes se só quero o silêncio, só preciso dessa mudez para sofrer como queira? Por que tudo não emudece, tudo cala de vez e me deixa gritar o que quero, desesperar o que posso, fazer o que bem entender? Por que não vão embora daqui, não saem daqui, me deixam sozinho com a presença do que eu queira estar.
Por que faço tanto silêncio, sofro tão calado, se tudo pode ser resolvido tão rapidamente? Vou gritar que te amo, e pronto. E depois do grito só peço que venha cortar o novo silêncio, trazer a voz da esperança dizendo “eu também”.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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