SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 5 de setembro de 2012

PALAVRAS SILENCIOSAS - 4


                                                     Rangel Alves da Costa*


“Está ouvindo esse barulhinho murmurante?”.
“Sim. Gosto de ouvir esse som...”.
“Às vezes me provoca arrepios...”.
“Sei por quê. O som do vento batendo na cortina e entrando pela janela provoca uma sensação diferente”.
“Dá uma sensação de vazio, de solidão, de entristecimento...”.
“E também de saudade, lembrança, recordação...”.
“E à noite parece que sopra diferente...”.
“É a hora que o vento também está mais aflito, angustiado...”.
“Por quê?”.
“Porque vem pelos descampados, corta montanhas, entra pelas ruas e só encontra a solidão da noite...”.
“Vento também sente solidão?”.
“Talvez mais que os seres humanos...”.
“Solidão de vento deve ser difícil de explicar...”.
“Não. Toda vez que ele se sente muito sozinho fica assobiando baixinho, levando a última folha seca que restou, balançando a cortina e entrando pela janela...”.
“Para mostrar que precisa de alguém?”.
“Sim. Os sentimentos do vento se expressam no seu percurso noturno e solitário, nessa voz baixinha, murmurante, que a gente ouve soprar, nessa presença janela adentro...”.
“Pensando bem, o vento deve ser mesmo muito triste e solitário, pois...”.
“Pois tem o dom de provocar sentimentos diversos ao nosso olhar e ao nosso espírito...”.
“Isso mesmo...”.
“Muita gente não percebe, mas o vento quase sempre se expressa de uma forma melancólica...”.
“No seu sopro angustiado...”.
“E também na sua voz. A concha do mar conhece muito bem a voz do vento...”.
“É estranho que o vento tenha uma relação assim tão forte com a concha do mar”.
“A solidão dos dois, apenas isso. A solidão dos dois...”.
“Fico entristecida só de pensar nisso...”.
“Mas é assim mesmo. A ostra vive na sua solidão de beira de mar, de praia, esquecida por cima da areia...”.
“E numa posição que parece que tem ouvido...”.
“É por ali que o vento chega murmurando, falando baixinho e vai entrando...”.
“Então é por isso que...”.
“Sim, meu amor, é por isso que podemos ouvir a voz do vento dentro da concha...”.
“E que presença marcante...”.
“É. Parece um zumbido, mas é a voz do vento ali alojada...”.
“O que será que ele diz?”.
“Difícil, muito difícil de saber...”.
“Por que é tão difícil assim?”.
“É que o vento vem de muito distante, de outras terras, de outros mundos, de lugares inimagináveis. Por onde passa vai colhendo o que vê, vai guardando dentro de si, pensando em mais tarde contar tudinho a alguém...”.
“Mas só encontra a concha...”.
“Não. Encontra outras coisas, principalmente pessoas, mas estas nunca valorizam nem têm tempo para a voz do vento. Então, ele encontra a janela aberta na concha e vai entrando...”.
“Então espalha lá dentro toda sua voz...”.
“Isso mesmo. Mas às vezes quer contar tudo de uma vez e então a gente só ouve aquele zumbido”.
“Incrível que aconteça assim”.
“Uma vez um vento me contou que acontece assim mesmo”.
“E o que ele contou mais?”.
“Um segredo”.
“Segredo?...”.
“Sim, segredo de amor. Mas todos os dias sopro em você esse segredo de vento”.
“Já ouvi...”.
“Mas não conte a ninguém não!...”



Poeta e cronista
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