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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 24 de setembro de 2012

PALAVRAS SILENCIOSAS - 23

                                         Rangel Alves da Costa*


“É como se eu estivesse ouvindo um canto de passarinho...”.
“E que bela melodia. Também ouço esse canto...”.
“Verdade?”.
“Desde muito tempo, assim que se faz o silêncio, sinto como se estivesse ouvindo o cantar passarinheiro...”.
“Mas não temos passarinhos, aqui por perto não há nem uma árvore para o pouso de um deles...”.
“Mas se ouvimos o seu canto é porque ele existe...”.
“Impossível. Ao menos pelos arredores...”.
“Não, meu amor, os pássaros estão aqui mesmo, aqui dentro do nosso quarto, voando pela casa inteira...”.
“No imaginário?”.
“Não, de verdade. E você entenderá...”.
“Explique...”.
“Vou tentar explicar apontando várias razões...”.
“Não precisa se alongar...”.
“Você sente o silêncio, essa paz?”.
“Sinto, entrecortado pelo canto do passarinho...”.
“Você se sente feliz em poder desfrutar de momentos assim?”.
“Um refrigério à alma...”.
“Tais momentos são apropriados para a reflexão, o pensamento profundo, a divagação sobre coisas?”.
“Claro que sim, pois o silêncio desperta viagens na mente...”.
“Estamos chegando lá. Você acha que o ambiente do nosso lar se amplia no silêncio, fica parecendo o cume de uma montanha florida?”.
“Muitas vezes pensei assim mesmo...”.
“E por que você acha que ocorre isso aqui e desse jeito?”.
“Pela paz, o sossego, a calma que sempre procuramos impor...”.
“Daí você se sentir bem, com paz de espírito, cheia de contentamento e felicidade, não é mesmo?”.
“Como se estivesse voando, numa nuvem distante...”.
“Ótimo. E se tudo aqui fosse o maior escarcéu?”.
“Deus me livre?”.
“Haveria passarinho?”.
“A não ser mal-estar, barulho, zunidos, um deus nos acuda...”.
“Então eis o ambiente que construímos para que ouçamos cantos passarinheiros...”.
“Mesmo sem existir qualquer passarinho?”.
“Sim. A mente em paz, o espírito calmo e fortalecido chama o que há de melhor...”.
“Esse canto, essa sensação da presença de passarinho...”.
“Sim. Você mesma afirmou sobre viagens na mente. Então é a mente que traz o passarinho...”.
“E esse belo canto...”.
“Sim. Esse tão belo canto...”.
“Juro que nunca pensei assim...”.
“Mas o canto existe porque provocado pela alma contente, o espírito feliz, o corpo em harmonia com o momento de silêncio e paz”.
“Quem dera uma revoada...”.
“Terás quando bem quiser...”.
“Quem dera um ninho, um canto, um passo, um pouso de passarinho...”.
“Terás quando quiser...”.
“Quem dera ser a flor esperando o beija-flor...”.
“Tudo conseguirás...”.
“Jamais uma gaiola, uma mata devastada, um ninho destruído...”.
“Aí caberá nossa ação...”.
“Uma voz de passarinho lutando contra uma multidão?”.
“Lembre do exemplo da formiga...”.
“Será muito difícil...”.
“Sim, será. Mas também será o mais belo canto!...”.  



Poeta e cronista
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