SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sábado, 8 de setembro de 2012

PALAVRAS SILENCIOSAS - 7


                                                       Rangel Alves da Costa*


“A que horas estamos?”.
“Noite alta, adormecida...”.
“No silêncio murmurante das horas...”.
“Instantes em que um novo dia é preparado”.
“Ouço o zunido da ventania...”.
“Sopro diferente porque fim de outono”.
“E por que esse sopro diferente?”.
“Por causa do último trabalho da estação...”.
“Momento em que vai juntando o restante das folhas caídas...”.
“Derrubando as que continuam nos galhos...”.
“Pra levar tudo adiante...”.
“Sim, as folhas secas e mortas pelo ar, parecendo ainda gemendo. Por isso esse sopro diferente”.
“Todo outono é assim. A vida esmorecendo, o enfraquecimento e depois a morte”.
“A morte para o renascimento das árvores, das folhas, dos frutos, da natureza...”.
“É rápido processo com grande significação...”.
“Como diria o vate, no rápido período de estação e ali muito mais coisa do que imagina nossa vã filosofia”.
“Outono e suas cores tristes, a certeza da despedida...”.
“O quanto deve ser difícil para a natureza saber que o seu arvoredo será desnudo, os galhos penderão fragilmente, as folhas perderão toda a seiva, o enfraquecimento tomará cada corpo, para depois esperar apenas o vento...”.
“Mas acho uma estação de cores tão belas!”.
“Não deixa de ser...”.
“O ocre, o cinza, o marrom, o amarelo-avermelhado, uma cor de antigo, envernizamento da vida...”.
“Mas há uma razão de ser para tudo isso...”.
“Certamente...”.
“As cores do outono representam a mudança. Ali não há nenhuma cor forte demais nem bem definida. Tudo é meio tom, num misto do que era e do que será...”.
“E cores que vão mudando rapidamente numa mesma folha...”.
“Isso mesmo. O verde vai perdendo o viço e se torna amarelado, depois marrom, depois cinza e assim por diante, até cair...”.
“Mas folhas existem que caem com cores ainda fortes...”.
“Assim é na natureza, assim também é na vida...”.
“E depois da mudança de cor e da fragilidade, o ficar à mercê da ventania, a queda...”.
“E que momento mais triste esse da queda...”.
“Então você diz sobre sentimentos nas folhas de outono?”.
“Sim. E quantos sentimentos dolorosos ali podem ser encontrados!”.
“Elas sentem toda mudança que há?”.
“Como o ser humano, igualmente. Já imaginou quanto dói saber dos nossos últimos dias, dos últimos momentos na vida?”.
“Que coisa mais triste!...”.
“Ao entrar o outono elas já percebem que não durarão muito. É por isso que ouvimos mais intensamente o seu farfalhar, os seus sons. Procuram viver o mais intensamente possível...”.
“E depois vão silenciando...”.
“Porque vão perdendo a força...”.
“Porque vão se distanciando da realidade e da vida...”.
“Porque há o aviso do vento...”.
“Sim. Porque há o aviso do vento. E a forma como esse aviso é dado é mais doloroso ainda. Simplesmente passa diante delas e não mais cumprimentam...”.
“De tão triste pelo que terá de fazer, que é levá-las pelo ar para o céu das folhas, prefere nem olhá-las mais, dizer qualquer coisa...”.
“E de repente ficam sem vida lá em cima, depois vão caindo. E depois um vento mais forte, a ventania...”.
“A morte...”.
“Sim. A morte de parte da natureza. Mas depois o renascimento”.
“E como seria bom que nossas vidas tivessem um outono assim. A morte e depois o renascimento...”.
“Mas temos apenas o outono, sem qualquer outra estação. Nascemos folha e como ela vivemos até o dia da ventania maior...”.



Poeta e cronista
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