Rangel Alves da Costa*
“Meu amor, posso pedir uma coisa?”.
“Não há mais nada que não seja seu!...”.
“Estou falando sério...”.
“E eu também...”.
“Mas então descobri que me falta uma coisa...”.
“A fórmula da alquimia, o elixir da eterna juventude, a sacerdotisa do oráculo?”.
“Nada disso. Algo muito simples num pedido muito humilde...”.
“O que, então?”.
“Quero um acalanto com palavras bonitas...”.
“Aí uma palavra bonita: acalanto. Uma canção de ninar quem se ama...”.
“Acalanto é realmente bonita. Cantar baixinho, embalar o adormecer...”.
“Uma cantiga assim: dorme já já, senão o lobo mau vai parar de cantar e vai beijar...”.
“Lobo bobo. Diga outras palavras bonitas...”.
“Também quero dormir, então digo uma e você outra, está certo?”
“Então digo primeiro: orvalho”.
“Revoada”.
“Solstício de inverno”.
“Sonata”.
“Madrigais”.
“Brisa”.
“Singrar o azul”.
“Prelúdio”.
“Noturno”.
“Brumas”.
“Você acha o termo bruma bonito?
“Não só bonito como fascinante, misterioso. Lembra de As Brumas de Avalon, os amores e as magias medievais em meio a névoas e paisagens sombrias?”.
“Então caberia também o termo uivante, pois em O Morro dos Ventos Uivantes há também essa atmosfera soprando mistérios”.
“Mistério. Eis uma palavra bonita”.
“Não tanta quanto noctívago”.
“Mas noctívago é triste. Sempre lembra a solidão na rua deserta, debaixo da lua, cheio de desesperança”.
“Você acha a palavra esperança bonita?”.
“Usual demais e usada para tudo que seja saída”.
“Tem razão. E solidão?”.
“A palavra solidão é linda. Jamais deveria denotar ao que se presta...”.
“Serviria para indicar o que, então?”.
“Talvez a solidão servisse para significar o presente do dia: o sol que lhe dão. Solidão!”.
“Pura poesia”.
“Poesia. Sim, eis uma palavra doce de ser ouvida”.
“Cálice também. Como diz a canção, pai afasta de mim esse cálice!”.
“E também a Bíblia”.
“Isso mesmo. Lucas, capítulo 22, versículo 42”.
“Pai, se queres afasta de mim este cálice; todavia não se faça a minha vontade, mas a tua”.
“O amor será palavra bonita?”.
“Não!”.
“Por quê?”.
“Desculpe-me, mas não suporto ouvir bocas e mais bocas falando em amor”.
“Mas acham que estão expressando este sentimento...”.
“Eis o que repudia o termo, pois o amor é sentimento tão belo, tão perfeito, possui tão grande significação que não deveria estar sendo pronunciado em vão”.
“Como o nome de Deus?”.
“Sim. É Deus para tudo, mas sem realmente ter Deus no coração”.
“Mas você acha a palavra Deus bonita?”.
“A mais bela que existe, mas não ouso pronunciá-la sem pedir licença ao coração”.
“Diga-me uma última palavra...”.
“Silêncio”.
“Para ouvir a sua voz...”.
“A voz do silêncio”.
“Sim”.
...
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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