Rangel Alves da
Costa*
O negrume
era total pelas ruas, becos e caminhos. Naquela noite não havia uma só luz se
derramando de cima dos postes de madeira. Eis que naquele cair da noite o
acendedor de lampiões não apareceu para tornar iluminada a escuridão do lugar.
Naqueles
idos, num tempo de cidadelas pacatas, bucólicas e humanizadas, o acendedor de
lampiões possuía ofício fundamental. Sem energia elétrica para iluminação,
postes de madeiras eram espalhados nos quatro cantos. E em cima deles, descendo
como num braço de abajur, a luminária com o bojo para o óleo e o grande pavio
por cima.
Depois do
entardecer o acendedor se preparava para o seu périplo. E todos os dias, com
tempo estiado ou embaixo de chuva, ele tinha de proceder do mesmo jeito. Seguia
de poste a poste, descia o lampião com uma vara firme de ponta em gancho,
colocava a medida certa de óleo de peixe, acendia o pavio e novamente erguia a
luminária acesa.
Depois do
último poste fazia o caminho de volta, e atrás de si deixava o lugarejo
romanticamente iluminado até o amanhecer. Quando o alvorecer chegava o óleo já
havia acabado e o pavio retomava o seu estado de palidez. Mas era uma paisagem
encantadora aquela onde a noite fechada tinha de ceder espaço para as chamas amareladas
dos lampiões.
Quando as
noites eram chuvosas e as ruas ficavam desertas, as águas molhando e escorrendo
sobre as pedras negras formavam cenários de beleza sem igual, porém de uma
poesia angustiante, como versos de tristeza e solidão que se derramavam no
retinto das pedras lavadas. Das frestas das janelas ou através das vidraças
embaçadas, as moçoilas de corações aflitos se entregavam aos suspiros saudosos
e aos lacrimejos.
O errante
da noite parecia um ser estranho em meio ao amarelado da luz. O vagante
solitário tinha bons motivos para compartilhar com os lampiões as réstias de
seus desamores. O poeta noctívago vivia procurando motivos em cada centelha que
se derramava em cada poste. E depois escrevia que em meio à escuridão a chama
no lampião é a única esperança viva num sofrido coração.
E do
anoitecer ao amanhecer era assim, a mesma paisagem pelos quatro cantos, a calma
reinando pelos arredores, o silvado da ventania se tornando a voz em meio ao
silêncio quase total. Poucas pessoas pelas ruas, sentadas nos bancos das
praças, conversando pelas calçadas, até as portas e janelas irem se fechando
uma a uma. E ninguém mais era avistado cruzando aquelas paisagens. A não ser os
errantes, os noctívagos, os poetas e solitários.
As pessoas
surgidas pelas ruas e praças quase não modificavam o aspecto solitário e vazio
daquelas noites. E talvez por isso mesmo aqueles instantes de calmaria e
solidão se tornavam tão encantadores, principalmente na moldura propiciada
pelos lampiões derramando suas cores amareladas. Olhando de uma janela
qualquer, o que se via adiante e mais distante eram chamas douradas que no intuito
de propiciar vivacidade acabavam entristecendo calçadas e ruas.
Mas
naquela noite não havia uma só luz se derramando de cima dos postes de madeira.
Eis que naquele cair da noite o acendedor de lampiões não apareceu para tornar
iluminada a escuridão do lugar. O tempo foi passando, o negrume aumentando, até
tudo ficar no mais retinto breu. Nem o lampião da lua apareceu nessa noite.
Nenhuma estrela, nem um só vaga-lume.
As portas
e janelas se fecharam mais cedo, tudo ficou deserto antes da hora. Mas o poeta,
o errante, o noctívago e o solitário, açulados diante das inexistentes
paisagens, logo seguiram em busca de explicações com o responsável pela iluminação
noturna, o acendedor de lampiões.
Encontraram-no
sentado ao redor de uma mesa, sob a chama de um candeeiro, escrevendo uma longa
carta. Estava com o rosto crispado de tanta tristeza, com olhos lacrimejantes e
parecendo tão distante da realidade, que os visitantes temeram fazer alguma
indagação. Mas não precisava, pois o homem soprou e apagou o pavio do
candeeiro, para em seguida dizer:
“Cansei de
acender lampiões e saber que as pessoas saem pelas portas dos fundos em busca
da escuridão. Quem saiam pelas portas da frente e, na luz que ilumina o caráter
e a honestidade, avistem o que desejam encontrar perante o que a noite
astuciosamente oferece”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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