Rangel Alves da
Costa*
Alegre ou
triste, festejante ou melancólica, há sempre uma poesia no natal. Contudo,
diante de seu clima nostálgico, sempre envolto em relembranças e reencontros,
há quem não consiga ver o período natalino como propício a inspirações.
E eis que
a poesia, ainda que não construída em versos escritos, já se faz presente
naqueles que se deixam envolver pela magia e singeleza desse período tão especial
e importante na vida do ser humano.
Assim, a
poesia do natal está em tudo aquilo que envolve o próprio natal e consegue
alcançar e transformar as pessoas, seja as tornando mais fraternas e afetuosas,
seja para fazê-las sempre mais frágeis, tristes e solitárias.
Se a
tristeza lhe abraça mais fortemente neste período, saiba que é poética sua
angústia. Somente os sensíveis se envolvem de enternecimentos na colheita dos
frutos dessa estação; apenas os que não erram em esconder sentimentos se deixam
revelar além dos espelhos.
É poética
a reflexão mais profunda surgida com o natal. Não há apenas a recordação nem a
vontade de reencontrar, mas um sentimento profundo de presença e até de
diálogo. E isto comprova o quanto nos curvamos diante do passado e do que ainda
permanece como presença em nossa memória.
Do mesmo
modo, a poesia do natal está na sua atmosfera tão simbólica e meditativa. Tudo
nos chega envolto em uma espécie de névoa contemplativa, numa paisagem nublada
que nos chama à reflexão, ao diálogo íntimo, às leituras dos erros e acertos ao
longo do ano.
E quando
saímos de nós mesmos nos encontramos no outro que recordamos. Eis que natal é
tempo de saudade, é tempo de desejo de reencontros, é momento para querer estar
pertinho de quem está apenas distante ou de quem já está na inalcançável
distância.
Mesmo que
a modernidade tenha imposto uma visão meramente comercial do natal, ainda assim
jamais conseguirá tirar do íntimo de muitos aquela feição de cartão natalino
antigo. Em muitos olhos e corações, o natal continua sendo uma bela fantasia
nevoenta, com neblina descendo sobre pinheiros e luzes piscando distante.
E também o
Papai Noel, a árvore enfeitada com bolas coloridas e rodeada de caixinhas de
presentes, o sapatinho do menino à janela, a chaminé misturando fumaça à
nevasca, as renas do bom velhinho cortando os céus. Certamente um clima
europeizado, mas que acostumamos a apreciar.
Mas também
o natal dos barracos, das favelas, das famílias abandonadas, dos meninos nas
marquises, da miséria e da pobreza. Uma ceia de pão e de qualquer grão, um
presente prometido para um amanhã, uma existência que tanto merecia ser
visitada pelos reis magos.
Que o
ouro, a mirra e o incenso chegassem às novas e cada vez mais empobrecidas
manjedouras. Que a estrela da natividade guiasse os três reis magos às moradias
daqueles meninos famintos, aos casebres distantes e tão esquecidos pelos que
fartamente preparam suas ceias e festins.
Muitos não
terão chesters, perus, pernis, lasanhas, saladas, bacalhoadas, espumantes,
cervejas, uísques, importados. Muitos não terão sequer um frango assado ou uma
garrafa de sidra. Talvez o pão, talvez nada. Mas terão o natal, e de modo mais
significativo que aqueles que fazem desse dia apenas mais um pretexto para
festanças.
Ora, o que
alimenta o espírito natalino não é a ceia nem a comilança, a troca de presentes
ou a renovação de móveis e vestimentas. Tudo isso é hipocrisia consumerista,
não passa de vaidade e esnobismo. E onde só há lugar para o pensamento
material, para o ter e querer sempre mais, dificilmente sobrará espaço para os
nobres sentimentos.
E da
pobreza não é afastada a significação maior do natal. Ainda que dele só tenha a
data, ainda que não haja troca de presentes nem mesa farta, sua imensa fé a
coloca como num presépio vivenciando o nascimento daquele menino que tanto
parece com os seus. Menino pobre nascido em um Belém que pode ser qualquer
lugar onde a ceia será apenas a da esperança.
Não muito
longe de você há uma manjedoura, um Belém. Ali há o presépio da outra realidade.
Uma mesa sem ceia, mas um natal sem igual, pois se celebra a vida e não o
momento de se servir.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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