Rangel Alves da
Costa*
O anúncio
da morte de alguém pode causar espanto, dor, sofrimento, principalmente
naqueles cuja proximidade será de perda indescritível. Familiares, amigos e
conhecidos sempre tendem a ver recair sobre si o infortúnio da separação
terrena. E estes têm por justificadas as mais exaltadas manifestações de dor e
aflição.
Contudo,
quando o sofrimento se mostra demasiadamente coletivizado, indo muito além do
círculo de conhecidos do falecido, logo se depreende que há algo de errado ou
mentiroso nessa unânime consternação. E mais ainda quando as manifestações
acerca do defunto chegam a beirar o endeusamento, ou a divinização de tal modo
que passa a ideia de que o mesmo viveu sobre a terra como o mais elevado dos
seres.
Logicamente
que não acontece assim perante todos que morrem. O sujeito simples, comum, que
não possui representatividade social, será, e quando muito, apenas noticiado
entre conhecidos quando de sua passagem. Aos familiares caberá reverenciá-lo.
Mas muito diferente ocorre quando o falecido é de prestígio social, político ou
de grande influência e poder.
É, pois, o
prestígio que caba confundindo a pessoa em si e o seu cargo ou função pública,
ou mesmo ramo de atuação. O indivíduo é pranteado pelos familiares e amigos,
enquanto o ser social passa a ser reverenciado até entre desconhecidos. O
sofrimento dos seus se justifica ainda mais pelo que representava no seio
familiar e de amizade. Contudo, o sofrimento coletivo não é de tão fácil
justificação.
E não é
fácil justificar o sofrimento coletivo quando a sociedade que se mostra tão
sofrida é reconhecidamente dúbia e não
pode nem deve ser acreditada pelo arroubo de consternação demonstrado naquele
momento. Ora, grande parte dessa sociedade que se mostra aflita pela perda é a
mesma que dizia impropérios, condenava e desejava o pior para o falecido há
pouco tempo atrás.
Em casos
de morte, geralmente os vivos demonstram as maiores contradições. De uma hora
pra outra, bastando que a informação se espalhe, e a realidade perante o
falecido muda totalmente. Quem era odiado passa a ser louvado, quem era
achincalhado passa a ser aplaudido, quem vivia sendo ferido pela língua do povo
passa a ter o afago das belas palavras. E não se pode esquecer o verdadeiro
endeusamento que muitos passam a receber.
É
lamentável que assim aconteça, mas exemplos existem que chegam às raias do
absurdo. Governantes são enterrados em atos simbólicos quando não atendem os
anseios de determinadas classes, mas quando a morte lhes acomete de verdade
então se tornam pranteados e divinizados pelos mesmos que os execraram. As
palavras de ordem, bandeiras e faixas difamantes logo se transformam em frases
de reconhecimento pela grande obra terrena.
Realmente,
não dá para compreender uma população que age assim. Esculhamba com o político,
achincalha-o de toda forma, denigre sua imagem de toda jeito, mas depois vai
chorar ao pé do caixão. Numa transformação repentina, e parece esquecer todo o
passado, tudo o que já havia sofrido nas mãos do falecido, para chorar
enxurrada de lágrimas, para se comover de perder a fala e até os sentidos,
parecendo mesmo que o mundo acaba naquela pessoa.
Contudo, o
mais inacreditável são as mudanças de conceitos. E não apenas esquecendo os
ódios e passando a ver somente bondades, mas principalmente reconhecendo
qualidades impensáveis num homem comum - ainda que casto - quanto mais num
político. E surgem afirmações absurdas: Sinônimo de ética e moralidade, a
bondade em pessoa, que nunca fez mal a ninguém, fez da política um exemplo de
honestidade e compromisso com a sociedade. O suprassumo, pessoa que nem deveria
ter vivido entre os mortais, pois já santificada.
Em
situações assim não há que se pensar noutra coisa, ou as pessoas perderam
totalmente a noção de realidade ou fazem da morte um meio de expressar seus
impulsos demagógicos. E desse modo a morte se torna um festim apoteótico para
mentiras, falsidades e hipocrisias.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
2 comentários:
Minha mãe dizia: "Para morrer, basta estar vivo." E também: "Morreu vira santo."
Isso faz parte do Ethos social. É cultural. O ser humano é influenciável.
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