Rangel Alves da
Costa*
Meu sapato
de natal já está no umbral da janela. Aliás, nunca saiu de lá, e no mesmo lugar
desde muitos outros natais. Ainda criança e comecei a acreditar nessa estória
de colocar o sapatinho na janela para o Papai Noel deixar ali uma lembrancinha
em noite de natal.
Nunca
recebi a visita do bom velhinho, mas também nunca o desacreditei. Já estou nos
cinquenta e não aceito de jeito nenhum que digam que o viajante das renas não
existe. Existe sim, e ainda que não existisse teria de ser presença em cada um.
Tanto
Papai Noel existe como o velho e imorredouro espírito natalino. Mesmo que o
ferro dos tempos tenha enferrujado a maioria dos sentimentos e as pessoas cada
vez mais desvalorizem o natal e sua significação, ainda assim restam alguns
corações que se iluminam com mais intensidade nesta época do ano.
Fico
triste quando não vejo mais luzes piscando nas residências, quando não avisto
árvores de natal enfeitadas com bolas coloridas e cartões de natal. Estes
praticamente não existem mais, ninguém se dá mais ao singelo trabalho de
escolher uma frase bonita num cartão para enviar a um amigo.
Nem
recordo mais a última vez que ouvi a “A Harpa e a Cristandade” de Luis Bordon,
e nem mesmo aquela velha canção natalina de Assis Valente: Eu pensei que tudo
mundo fosse filho de Papai Noel e assim felicidade eu pensei que fosse uma
brincadeira de papel... Natais e natais, hoje não mais, eis a sina dos tempos e
da insensibilidade dos homens!
Sem
pretender derramar nostalgias, recordo-me bem do período natalino como uma
época mágica e encantadora. Bastava despontar dezembro e os ares pareciam
tomados de uma bela e suave canção pairando no ar. Era um tempo suavemente mais
triste, e uma tristeza não de sentimentos ruidosos, mas de corações que
pareciam mais recolhidos em íntimas orações.
Na rústica
manjedoura o menino é cercado pelos pais, animais, reis magos e tendo acima a
estrela-guia. Presépio de casinha de barro, de papelão, de madeira do quintal,
de qualquer coisa que representasse o humilde nascimento do menino Jesus. E
depois umas graminhas recolhidas no jardim e um punhado de areia molhada. E que
bela imagem aos olhos e ao coração.
Não vejo
mais como presépios esses enfeites encaixotados. São poucas as árvores de natal
que ainda avisto por aí. As casas não são mais iluminadas para reverenciar o
mês festivo. Luzes existem sim, mas de forma espalhafatosa e mais parecendo
iluminação de carro carnavalesco. Aquelas luzinhas piscando compassadamente são
raridades nas noites de agora.
Os meninos
de hoje nem sequer dão importância ao bom velhinho. Foi-se o tempo que
lágrimas, choros e agitações tomavam os lares quando os pais diziam que o bom
velhinho havia passado por ali e deixado uma bola, um sapato novo, um carrinho,
uma boneca, qualquer brinquedinho de plástico. Hoje só há bom velhinho se o
presente for da última e caríssima tecnologia.
Não
somente eu, mas muitos outros meninos deixavam sapatinhos à janela na véspera
do natal. Não sei que fim levou os sapatos deles, mas o meu ainda está no mesmo
lugar. As janelas já são outras, porém o mesmo sapato continua no cantinho do
umbral. Sei que muito já passou, muito já ensolarou e choveu, mas ainda
continua simbolizando minha eterna esperança.
O meu
velho sapato ainda na janela, com o tamanho do ontem distante e já transformado
pelo tempo, não significa apenas a esperança que se eterniza ante as dolorosas
mudanças em tudo. A simbologia é muito maior, muito mais profunda e tão
necessária para a permanência em mim de tudo o que já fui um dia, desde a
criança ao homem ainda menino.
Manter
sapatos à janela significa a um só tempo a preservação das crenças pessoais e a
perspectiva de que o tão desejado presente ainda virá, ainda que num natal com
espírito iluminado apenas no coração.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
2 comentários:
Uma bela crônica que levou-me ao passado, onde o espírito natalino era de um valor inestimável para todos.
Agradeço a sua visita aos meus blogs. Obrigado amigo e que o seu Natal e o próximo ano sejam de muita paz e alegrias.
Gracias por tu incorporación a mis seguidores, lo que me permite conocer tu multifacético blog.
Un abrazo desde Chile.
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