SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 6 de novembro de 2013

TROVÕES NOITE ADENTRO


Rangel Alves da Costa*


Mesmo sendo fenômeno meteorológico comum, basta que o som dos trovões ribombe pelas distâncias para que muita gente se entregue a tremores, arrepios, apavoramentos, preces e orações. Muitos são aqueles que se entocam debaixo de panos, da cama, e até dentro de qualquer buraco que encontrem.
Por isso mesmo que muitos passaram por situações desesperadoras nos últimos dias em Aracaju. Desde a noite de domingo, avançando pela madrugada até o amanhecer, e igualmente na segunda até a manhã de terça-feira, os trovões ribombaram como desde muito não se ouvia por essas bandas nordestinas.
O tempo fechou de repente, as nuvens negras e carregadas tomaram conta do espaço, os relâmpagos cortaram os céus e os trovões gritaram suas rouquidões apavorantes para muitos. Mas de tal maneira forte e contínua que mais pareciam caixas de som espalhadas pelos quartos e varandas. Um verdadeiro terror para quem teme o seu barulhar.
Enquanto o trovejar irrompia alto a cada instante e os relâmpagos cortavam os céus, as chuvaradas fortes desciam velozes e inundavam tudo que encontrassem pela frente. Ruas e casas foram completamente tomadas pela força das águas; quem estava trancado nos quartos por cima de camas certamente amanheceu com as águas ainda presentes pelos corredores.
Nas manhãs, em meio aos comentários pontuais acerca da molhação das águas e dos temores causados pelos trovejamentos, ainda se ouvia o barulho distante de trovões. E ainda muita gente corria para se lançar debaixo de panos com medos das estridências. Porém um medo que o sertanejo deseja ter no seu dia a dia, pois trovão geralmente é sinônimo de trovoada, e esta chega como verdadeiro milagre nas terras sertanejas.
Mesmo que o medo dos trovões seja um fenômeno generalizante, a maioria dos sertanejos recebe como dádiva divina cada ribombar vindo dos céus. Quando chegam os prenúncios de trovoada e o tempo escurece para a luz da esperança cair em forma de chuva, as perspectivas se tornam mais fortes que o medo e ansiosamente desejam que as forças da natureza se manifestem na sua plenitude maior, ainda que com relâmpagos, raios e trovões.
Os homens, na sua maioria, não possuem qualquer receio ao ouvir o bater de nuvens e os sons ensurdecedores se espalhando pelos quadrantes. Ora, trovão chega acompanhado de trovoada, e esta é fenômeno sempre esperando com satisfação pelo homem do campo. Daí que o barulho lhe soa como cornetas de anjos anunciando dias melhores com a terra molhada, tanques e barragens cheias e uma nova e promissora paisagem diante do olhar.
Com as mulheres ocorre um pouco diferente. Ainda que tenham se ajoelhado noite após noite em orações, feito promessas para a trovoada chegar, não deixam de sentir calafrios assim que o tempo muda de vez, tudo escurece e os trovões irrompem assustadores. Então se entregam novamente a preces e promessas para que aquela fúria da natureza não lhes provoque nenhum mal, pois sabem que os sons sempre chegam acompanhados dos perigosos raios e relâmpagos. E quando relampeja forte é um deus nos acuda.
Enquanto as mulheres se trancam com a filharada, os sertanejos se voltam aos planos para os próximos dias. Irão trabalhar a terra, ver o gado buscando forças nas gramíneas que logo brotarão no chão molhado, e fazer um monte de coisas que a seca e a desesperança insistiam em adiar. E ao abrir a porta para sentir a força das águas, logo avistam cágados passeando tranquilamente.
Coisa do sertão, mas quando os cágados saem de suas tocas e começam a andar sem destino é sinal mais que certo que a trovoada chegou ou está a caminho. Mistério ainda não decifrado, mas bem antes que qualquer pessoa ouça o barulhar nos céus, eis que os cágados já ouviram sua presença nas alturas. E depois saem em cortejo para anunciar a boa nova aos seus irmãos sertanejos.
Os cágados não existem nas cidades grandes. Não há toca em asfalto nem buraco acolhedor em concreto. Mas também não foram vistos no sertão. Sinal que a trovoada dessa vez escolheu assustar somente as mocinhas da cidade grande.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Rangel: O meu boa-tarde após a potente chuvada em sua terra Aracaju no final de semana.

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