Rangel Alves da
Costa*
Mesmo
sendo fenômeno meteorológico comum, basta que o som dos trovões ribombe pelas
distâncias para que muita gente se entregue a tremores, arrepios,
apavoramentos, preces e orações. Muitos são aqueles que se entocam debaixo de
panos, da cama, e até dentro de qualquer buraco que encontrem.
Por isso
mesmo que muitos passaram por situações desesperadoras nos últimos dias em
Aracaju. Desde a noite de domingo, avançando pela madrugada até o amanhecer, e
igualmente na segunda até a manhã de terça-feira, os trovões ribombaram como
desde muito não se ouvia por essas bandas nordestinas.
O tempo
fechou de repente, as nuvens negras e carregadas tomaram conta do espaço, os
relâmpagos cortaram os céus e os trovões gritaram suas rouquidões apavorantes
para muitos. Mas de tal maneira forte e contínua que mais pareciam caixas de
som espalhadas pelos quartos e varandas. Um verdadeiro terror para quem teme o
seu barulhar.
Enquanto o
trovejar irrompia alto a cada instante e os relâmpagos cortavam os céus, as
chuvaradas fortes desciam velozes e inundavam tudo que encontrassem pela
frente. Ruas e casas foram completamente tomadas pela força das águas; quem
estava trancado nos quartos por cima de camas certamente amanheceu com as águas
ainda presentes pelos corredores.
Nas
manhãs, em meio aos comentários pontuais acerca da molhação das águas e dos
temores causados pelos trovejamentos, ainda se ouvia o barulho distante de
trovões. E ainda muita gente corria para se lançar debaixo de panos com medos
das estridências. Porém um medo que o sertanejo deseja ter no seu dia a dia,
pois trovão geralmente é sinônimo de trovoada, e esta chega como verdadeiro
milagre nas terras sertanejas.
Mesmo que
o medo dos trovões seja um fenômeno generalizante, a maioria dos sertanejos
recebe como dádiva divina cada ribombar vindo dos céus. Quando chegam os
prenúncios de trovoada e o tempo escurece para a luz da esperança cair em forma
de chuva, as perspectivas se tornam mais fortes que o medo e ansiosamente
desejam que as forças da natureza se manifestem na sua plenitude maior, ainda
que com relâmpagos, raios e trovões.
Os homens,
na sua maioria, não possuem qualquer receio ao ouvir o bater de nuvens e os
sons ensurdecedores se espalhando pelos quadrantes. Ora, trovão chega
acompanhado de trovoada, e esta é fenômeno sempre esperando com satisfação pelo
homem do campo. Daí que o barulho lhe soa como cornetas de anjos anunciando
dias melhores com a terra molhada, tanques e barragens cheias e uma nova e
promissora paisagem diante do olhar.
Com as
mulheres ocorre um pouco diferente. Ainda que tenham se ajoelhado noite após
noite em orações, feito promessas para a trovoada chegar, não deixam de sentir
calafrios assim que o tempo muda de vez, tudo escurece e os trovões irrompem
assustadores. Então se entregam novamente a preces e promessas para que aquela
fúria da natureza não lhes provoque nenhum mal, pois sabem que os sons sempre
chegam acompanhados dos perigosos raios e relâmpagos. E quando relampeja forte
é um deus nos acuda.
Enquanto
as mulheres se trancam com a filharada, os sertanejos se voltam aos planos para
os próximos dias. Irão trabalhar a terra, ver o gado buscando forças nas
gramíneas que logo brotarão no chão molhado, e fazer um monte de coisas que a
seca e a desesperança insistiam em adiar. E ao abrir a porta para sentir a
força das águas, logo avistam cágados passeando tranquilamente.
Coisa do
sertão, mas quando os cágados saem de suas tocas e começam a andar sem destino
é sinal mais que certo que a trovoada chegou ou está a caminho. Mistério ainda
não decifrado, mas bem antes que qualquer pessoa ouça o barulhar nos céus, eis
que os cágados já ouviram sua presença nas alturas. E depois saem em cortejo
para anunciar a boa nova aos seus irmãos sertanejos.
Os cágados
não existem nas cidades grandes. Não há toca em asfalto nem buraco acolhedor em
concreto. Mas também não foram vistos no sertão. Sinal que a trovoada dessa vez
escolheu assustar somente as mocinhas da cidade grande.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Caro Rangel: O meu boa-tarde após a potente chuvada em sua terra Aracaju no final de semana.
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