Rangel Alves da
Costa*
Os amigos
e parentes quase não o reconheciam mais. Sertanejo de vivacidade de fogo, de
repente passou a se afeiçoar muito mais a um fantasma rastejante. Coisa
esquisita de se ver. Os olhos pareciam dois grotões profundos e esturricados, a
pele ensolarada havia murchado de vez. O homem estava fino, encurvado,
parecendo nas últimas.
O compadre
avistou-o debaixo de um sombreado de tamarineira e se apressou para saber o que
se passava com o amigo, o porquê daquele corpo alquebrado e tez tão tristonha.
Aproximou-se mais preocupado ainda porque andara sabendo que o velho amigo nem
na lida do dia a dia era mais avistado, e fato estranho de acontecer, eis que
reconhecido pela tenacidade mesmo debaixo do sol maior.
A resposta
veio na bucha, como se diz nas distâncias interioranas. O motivo de aquilo tudo
estar acontecendo assim havia sido um sonho; ou melhor, sonhos apavorantes,
arrepiantes, verdadeiros desafios noturnos que não deixavam mais o homem
descansar uma noite sequer. E o mais espantoso foi o relato feito acerca dos
tão terríveis devaneios noite adentro.
E disse ao
compadre que já fazia mais de uma semana que bastava deitar, fechar os olhos,
adormecer um tiquinho e logo o danado do sonho despontava em galope assustador.
Nunca se repetia, mas era muito parecido, vez que sempre envolvendo político e
política. Redobrou as orações antes de se deitar, chegou mesmo a fazer
promessa, mas não tinha jeito. Quando pensava que ia dormir sossegado, e eis
que a noite se transformava num tormento.
O primeiro
sonho parecia coisa besta, até descambar num terrível acontecido. Bateram-lhe à
porta, foi abrir, e se deparou com um velho e conhecido político, daqueles que
em toda eleição está na disputa. Pensou que seria apenas uma visita
descompromissada, mas logo o homem começou a lembrá-lo que as eleições se
aproximavam e tinha certeza que podia contar com o apoio do amigo. E o amigo
era ele, ao menos naquela hora. Não conseguiu mais dormir daí em diante.
Na noite
seguinte, e outro sonho, e dessa vez ainda mais apavorante. O político já
estava sentado na varanda e se danando a prometer e a mentir que não acabava
mais. Dizia que nos mandatos passados não havia tido tempo suficiente para
colocar em prática o melhor para a população, mas que se eleito fosse
amanheceria e anoiteceria no seu gabinete recebendo cada eleitor e resolvendo
todos os problemas da comunidade. E todos mesmo. Como sabia que não conseguiria
mais dormir, então levantou e ficou perambulando aturdido até o dia clarear.
Na
terceira noite, e eis que o político já chegou apertando sua mão, com o sorriso
maior do mundo no rosto, lançando os braços em abraços, numa intimidade de
fazer qualquer um ficar com pulga atrás da orelha. Em seguida lhe chamou num
canto e disse que podia espalhar pelos arredores o seu plano de governo para a
região. O problema da seca seria resolvido de vez, nenhum pai de família
ficaria sem trabalho garantido, as cestas de alimentos seriam triplicadas, ali
tudo seria verdejante, um verdadeiro paraíso, e o povo sertanejo viveria com
tal bonança que até causaria inveja aos das regiões mais ricas. E o restante da
noite foi um verdadeiro martírio para o coitado do homem.
Noite após
noite tentando dormir sossegado e não conseguindo por causa dos sonhos
aterrorizantes e mentirosos, então o pobre sertanejo resolveu nem mais deitar.
Tinha medo de fechar os olhos e lhe chegar a danada da política e aquela
aviltante figura para tirar sua tranqüilidade. Contudo, o que lhe acabou de vez
com a esperança de ao menos um pouquinho de adormecimento foi exatamente o
último sonho surgido.
Nele, o
coitado do sertanejo se via subindo em pau de arara para acompanhar os comícios
do candidato, pregando retratos e mais retratos em frente ao destroçado barraco,
pedindo voto a um e a outro para aquele que seria a salvação do sertão, até
ajoelhado em promessa para que a eleição fosse garantida. Levantou num pulo,
suando, com o corpo queimando de febre, parecendo que iria passar dessa pra
melhor naquele momento. E realmente desejou uma boa morte a viver naquela
situação.
Daí em
diante resolveu que cochilaria em pé, e coisa ligeira para não dar tempo de o
sonho chegar, mas não deitaria mais de jeito nenhum. E se repetia que preferia
morrer a passar por aquilo tudo novamente. Por mais que a esposa tentasse
reverter a decisão não houve mesmo jeito. A noite avançava, a madrugada chegava
e ele de pé, andando de canto a outro. Por isso que foi afinando, parecendo
moribundo, sem forças para mais nada.
Após ouvir
o relato do acontecido, o compadre, com lágrimas tomando os olhos,
perguntou-lhe se sabia o que era pesadelo. E o compadre respondeu que sim, mas
que preferia falar em sonho porque ao menos não era tão assombroso quanto o tal
do pesadelo. Já bastava a política e o político findando os seus dias. E
haveria pesadelo pior?
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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