Rangel Alves da
Costa*
Noturnos
não são instantes, são estados de espírito. E estados com asas, voos, viagens,
percursos. Mire-se nos clássicos Noturnos de Chopin, Liszt, Mozart, Haydn e
outros mestres. Não são apenas músicas, são ecos alados que nos distancia do
instante, da vida vã.
Noturnos
que fogem das luzes porque melhor se reconhecem na face da escuridão ou na
luminescência da chama lunar; noturnos que assomam da alma para trazer a lume
tantos escuros escondidos por trás das janelas do coração.
Os
noturnos que chegam como cartas, poemas, escritos antigos, saudades de agora,
visões daquilo que tanto se deseja ter. Eis o momento: a noite. Noites e seus
noturnos, momentos para viver sozinho a solidão.
Noturnos
com seus passos lentos, seus murmúrios, suas esquinas e seus encontros. Estágio
de magia e ilusão onde a pessoa se encontra porque não se vê; momento onde a
pessoa reflete nas sombras suas luzes interiores.
Pássaros
noturnos se satisfazem na noite; noctívagos errantes cruzam as estradas da
escuridão; viventes noturnos apreciam os espelhos da noite e se reconhecem no
sorriso inexistente. Porque não é momento de construir, mas apenas de reviver.
Eis o
momento ideal para não temer o sofrimento, para chorar a lágrima incontida,
para gritar desesperadamente, para ser tudo aquilo que somente a noite
desperta. Porque os noturnos possuem o dom de tornar mais verdadeiros os
sentimentos e reacender as chamas da alma.
Os
noturnos, como a própria expressão indica, fogem da luz, da claridade, da
algazarra do dia, para pousar nos braços do entardecer adiante. Já soam como
noturnos aqueles vermelho-alaranjados do pôr do sol, da despedida do dia e da
chegada das sombras da noite.
E quando a
penumbra desce com véu e cor, então o ser se transforma para sair de si,
viajar, buscar outros horizontes. E no silêncio e na solidão, ouvindo apenas a
dança das folhas e sentindo o perfume na brisa, a mente toma todo o corpo para
que os noturnos surjam com riso e lágrima.
Um passo
adiante e se está diante da janela, mirando a lua que surge, avistando a
incerteza das cores mortas. Parece tudo tão entristecido, solenemente doloroso,
paisagem de melancolia. Mas é este o cenário mágico.
Cada
passo, cada gesto, cada toque, nada parece consciente. Tudo acontece sem um
desejo próprio, pois ação premeditada pelo inconsciente. Ou pela mente que tem
esse instante como seu e de mais ninguém.
Por isso o
vinho despejado na taça, a mão erguendo a seiva da noite, o lábio beijando o
perfume vinhático. E a fotografia adiante, o retrato no olhar, a feição
entristecida, a relembrança tanta. O beijo sem querer beijar, o afago sem
querer sentir, a boca se abrindo para dizer um nome.
Por isso a
vitrola tocando sozinha; as cortinas dançando uma valsa, a aragem se debruçando
sobre os cabelos soltos. E no canto do olho uma lágrima. E no canto da boca uma
gota do vinho que ao outro deveria ser servido. E a luz do luar entrando pela
janela, e a luz procurando uma feição que viaja.
As viagens
surgem assim, alçam voo nos noturnos mentais. A mente se faz dona de tudo e a
pessoa apenas obedece aos seus desejos. E de repente já está além da janela,
perto da lua, perto da nuvem, viajando enlouquecidamente em busca de alguém.
A mente
alucina quem tem tanto amor. A mente abusa do frágil coração e faz ajoelhado
aquele que se achava forte demais para aquiescer. Eis que o amor amado ou de
impossível inexistência possui sua voz maior nesse momento.
E é a
imagem do outro, seus abraços e seus beijos, que acalanta o adormecer que virá.
Já ao alvorecer, se o dia nascer,
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Caro Rangel: O meu boa-tarde neste dia que não mais está a trovoada em sua Aracaju.
Otimo esta biografia que no momento estou recebendo pelo correio e já li parte de excelente livro.
Abraços,
Antonio José de Oliveira - Serrinha
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