Rangel Alves da
Costa*
Por muitos
anos, a partir da estreita relação com o poder, a política e o cangaço, o
coronelismo das terras sertanejas da Bahia expandiu sua influência ao vizinho
estado de Sergipe, mais de perto na região sertaneja do São Francisco,
principalmente nas terras de Poço Redondo e Canindé do São Francisco.
Chamava-se
João Maria de Carvalho este senhor de poder e de mando, cuja força coronelista
foi muito além das fronteiras de sua Serra Negra, atual Pedro Alexandre. Aquela
região baiana, aliás, foi palco de senhores poderosos que marcaram suas épocas
pelo mandonismo acobertado pela força política. Neste contexto se sobressaíram
o próprio João Maria e o coronel João Gonçalves de Sá, de Jeremoabo (mais tarde
homenageado com nome do município Coronel João Sá).
Filho de
Pedro Alexandre, contando com mais treze irmãos, João Maria de Carvalho possui
uma história singular na saga dos grandes sertanejos. Tenente de patente
militar, porém coronel hierarquizado pelo poder econômico e político, foi homem
que soube como nenhum outro confluir para si forças antagonistas e
transformá-las num poder pessoal tamanho que se fez reconhecido, respeitado e temido
por todo o sertão.
Sua
extraordinária capacidade de dialogar com situações opostas - e de tudo tirar
proveito -, o colocaria também como magistral estrategista. Basta citar o exemplo
de sua opção por dar guarida a perseguidos pela polícia, injustiçados e
cangaceiros, enquanto seu irmão, o famoso Tenente-coronel Liberato de Carvalho,
comandante da força baiana, esteve por muito tempo pelos sertões alagoanos,
sergipanos e baianos no encalço de pessoas por ele protegidas.
Situação
deveras interessante, e até incompreendida, mas se os cangaceiros que Liberato
de Carvalho tanto perseguia debandassem para as terras da Serra Negra e ali
pedissem refúgio a João Maria, seu irmão, certamente teriam acolhida. E o coito
era tal que nenhuma força policial se atreveria a abalar o mando do grande
coronel. Quer dizer, enquanto Liberato queria prender, João Maria procurava
proteger da prisão.
Assim agia
o coronel João Maria porque sabia que protegendo o homem da terra, por este
seria reconhecido e o seu prestígio se tornaria incontestável. E assim de fato
ocorreu. Por isso mesmo não mostrava receio em dar coito e abrigo nas suas
vastas terras mesmo àqueles chegados de outros estados, principalmente de
Sergipe. Acolheu o cangaço como uma causa justa, abrigou sertanejos perseguidos
porque se via como grande pai e protetor dos oprimidos.
Limitando
com Poço Redondo, Carira, Nossa Senhora da Glória, Porto da Folha, Monte Alegre
de Sergipe e Canindé de São Francisco, pelo lado sergipano, Serra Negra era
vista quase como uma povoação do sertão de Sergipe. Daí que o coronel baiano,
acolhendo os enviados por amigos políticos ou aqueles de reconhecida
periculosidade, ao mesmo tempo expandia sua influência além fronteiras. Por
isso fez fama em toda a região e até interferia politicamente nos pleitos
eleitorais das terras sergipanas.
Não era incomum
se ouvi dizer que este ou aquele candidato era apoiado pelo coronel João Maria
da Serra Negra. E bastava tal fato para que o pleiteante ganhasse força e
prestígio. Do mesmo modo, as lideranças políticas sertanejas tudo faziam para
não contrariar o poderoso da região. E mais. O próprio governo estadual sentia
de tal modo a influência do baiano que lançava todas as suas forças contra o
candidato por ele apoiado.
Assim
aconteceu com José Francisco de Nascimento, mais conhecido como Zé de Julião,
um ex-cangaceiro (Cajazeira) que pleiteava ser o primeiro prefeito do então
emancipado município de Poço Redondo, nas eleições de 1953. João Maria
tornara-se amigo do influente e já falecido pai do candidato, e este já havia
recebido a proteção do baiano quando a polícia foi em seu encalço após a
chacina de Angico, por fazer parte do bando de Lampião. E mais tarde o apoiou
nas suas pretensões políticas.
À época,
no início da década de 50, o poder estadual estava nas mãos do PSD. Mesmo sendo
da UDN baiana, o coronel João Maria indicou Zé de Julião como candidato do PSD
sergipano. Contudo, para afastar a influência do baiano, o governo estadual
apoiou um candidato do PR, que era partido da base governista. Não só apoiou
como trabalhou maciçamente para que “um ex-cangaceiro” não desonrasse os
destinos de Poço Redondo. A intenção maior, entretanto, era derrotar o coronel
baiano. E conseguiu.
Mesmo
tendo seu candidato derrotado e sentindo que Zé de Julião não se abatera e desejava
ser mais uma vez candidato, eis que João Maria novamente o apoia. Mesmo que
agora o governo estadual já estivesse nas mãos de Leandro Maciel da UDN, o
mesmo partido de João Maria, não houve acordo entre os líderes e a força
perseguidora leandrista lançou todas as armas contra o PSD de Zé de Julião.
Num pleito
marcado por fraudes e favorecimentos ao candidato governista, Zé de Julião foi
derrotado e em seguida perseguido pela polícia por haver roubado três urnas e
rasgado as cédulas de votação. Então o protegido do coronel baiano buscou no
amigo a guarida contra a morte certa. E novamente foi acolhido até retomar seu
destino.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Caro Dr. Rangel: NO AGUARDO DO LIVRO LAMPIÃO ALÉM DA VERSÃO DE AUTORIA DO MESTRE ALCINO, para dirimir dúvidas na elaboração do meu trabalho, parabenizo-lhe por este texto que envolve Zé de Julião e um coronel-político, informação esta, antes desconhecida para mim.
Grato,
Antonio Oliveira - Serrinha
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