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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O JAGUNÇO


Rangel Alves da Costa*


Jagunço não é pistoleiro de mando, não é matador de aluguel, também não é assassino de qualquer um. O jagunço é aquele que simplesmente aperta o gatilho porque assim ordenou seu senhor.
Jagunço mata sim, e covardemente, mas dificilmente um inimigo pessoal. Agindo assim, estará descaracterizando sua função de obediência. É a própria arma do patrão contra desafetos e inocentes.
Daí que o jagunço é indivíduo que age em obediência ao mando do seu patrão, do coronel, do poderoso latifundiário, perante os seus desafetos. Recebendo a ordem de findar uma vida, tanto faz que o outro seja isso ou aquilo.
Presença marcante nos sertões de antigamente - e transformado em reles pistoleiro nos dias atuais -, servia com exclusividade ao seu senhor, a quem dava proteção e agia como meio de intimidação e de dizimação do inimigo.
Mantinha com o seu senhor uma relação verdadeiramente empregatícia. Ganhava para proteger, para estar rodando o latifúndio ou nas cercanias do casarão, e também para fazer o que mais sabia: usar a arma e deixar vítimas.
Morava na própria fazenda ou nos arredores. Não era indivíduo contratado para uma ou outra empreitada, mas estando à disposição do seu senhor para o que desse ou viesse. Daí um vínculo de confiança e de respeito entre ambos.
Não tinha medo nem de ser conhecido pelo que fazia nem de sofrer perseguições pelos crimes praticados. Sendo protegido do coronel seu patrão, lhe era assegurado uma espécie de salvo-conduto para agir impunemente.
Cometia atrocidades, matava, dilacerava vidas, mas ainda assim nada lhe acontecia. Se alguma autoridade quisesse investigar uma morte ou outra, logo o poderoso senhor ordenava que parassem com aquilo sob pena de graves retaliações.
Protegido pelo poder, geralmente se via livre da perseguição policial e judicial, ainda que o crime cometido fosse contra alguém do mesmo quilate do seu senhor, outro poderoso. Aí as desavenças tomavam proporções maiores, porém somente entre os dois grupos rivais e seus jagunços.
Jagunços porque um coronel que se preza não mantém apenas um ao seu lado, mas um bando bem preparado e destemido. Daí que uma guerra entre jagunços rivais tornar-se indescritível na violência e nos meios empregados.
Bicho feio, mal-encarado, com barba de muitos dias, malcheiroso, cara de poucos amigos, chapéu descendo até as sobrancelhas, olhos sempre brilhantes, poucas palavras, verdadeiro cão farejador, levando sempre duas armas de fogo e tendo a seu dispor um verdadeiro arsenal.
Dispunha de farto armamento, porém só agia com armas escolhidas, costumeiras, que não falhavam no manejo ou no momento de cuspir fogo. E isto permitia que dificilmente errasse a pontaria ou a arma falhasse no instante do disparo.
Homem conhecedor do meio, da mataria, tufos de mato, estradas, curvas, veredas e descampados, faz o seu percurso sangrento como uma sombra quase invisível, de modo furtivo e silencioso. Mistura-se ao mato como um bicho qualquer, pois bicho também é.
Ao receber ordem do seu patrão, logo passa a tecer estratégias de como melhor dar cabo ao mando. Prefere que o inimigo goste de cruzar estradas caminhando ou montado em animais. Mas cumpre a empreitada mesmo que o desafeto goste de permanecer nos arredores de sua propriedade.
Leva a efeito a ordem recebida através da tocaia, da emboscada. Segue em direção ao local onde o inimigo será avistado, e ali se esconde por trás de moitas e das árvores, e aí permanece em estado de vigilância. Nesse local pode passar horas e mais horas e até dias inteiros.
Com olho apurado, esperto conhecedor da feição e do traquejo inimigo, paciente e cautelosamente espera sua aproximação. Com a arma devidamente pronta para o disparo, aponta na direção, faz a mira, o olho amiúda, o dedo lentamente se move. E aperta o gatilho.
Muitas vezes, apenas um tiro. Outras vezes segue até o local do corpo estirado e ali dá mais outro de misericórdia. No meio da testa. Depois sopra a fumaça quente do cano da arma e novamente se embrenha na mataria quase sem deixar rastros.
Vai dar conta ao patrão da derrubada do seu inimigo. E será recompensado pelo trabalho bem feito. A obediência ao mando do coronel lhe assegura prestígio e reconhecimento. E mais ainda quando o próprio coronel passa a temê-lo.
Assim foram os jagunços de um dia, deploráveis marcas de sertões e rincões sangrentos em nome do mando e da covardia. Sentir indignação sobre sua existência todo mundo pode. Mas que existiu, existiu. E por tantos lugares ainda se avistam suas sombras.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com   

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