Rangel Alves da
Costa*
Todos,
indistintamente, deveriam elogiar a loucura. Os que não têm um pingo de juízo,
e como tal se reconhecem, com mais razão devem enaltecer a primaz insanidade;
os que se acham normais, imaginando-se possuidores das perfeitas faculdades
mentais, ainda mais deveriam elogiá-la, vez que estes certamente não sabem o
que dizem.
Verdade é
que o mundo está assentado num hospício de pedra e flor. Os Dom Quixote da
vida, empunhando suas lanças e ameaçando moinhos de vento, empecilhos que são
aos seus indefinidos objetivos, estão por todos os caminhos. Quixotescas, pois,
são as ações empreendidas como normais e lastreadas na insanidade, na vontade
cega de realização.
Ora, nesse
mundo de loucos, há de ser envolto em insanidade para que as oportunidades e os
reconhecimentos sejam possíveis. Os que tentam se manter como normais cometem a
grande loucura de serem vistos como irremediavelmente insanos; e apenas de
pedra, e não de flor. Há, pois, de experimentar a doidice para sair do marasmo,
buscar encorajamento, para confrontar as ameaças e realizar.
Daí que o
humanista e teólogo holandês Erasmo de Roterdã tratou logo de reconhecer as
qualidades da insanidade prodigiosa, da psicose construtiva, do delírio mais
que consciente. Ora, porque a loucura é tão necessária quanto a sabedoria, e
não há nenhum ato de grande inventividade que não tenha nascido de um gesto
afeiçoado à loucura.
Na sua
obra “Elogio da Loucura”, Erasmo vê essa manifestação comportamental como uma
deusa que conduz as ações humanas. Em tudo está presente a loucura, mesmo nas
instituições mais reservadas e sombrias e nas pessoas que tentam se revestir de
um manto de inatacabilidade. E ela se torna mais importante ainda quando se
assenhora desses inatacáveis para mostrar seus defeitos e imoralidades.
Colocando
palavras na boca da loucura, Erasmo logo afirma que digam o que quiserem dela,
que a difamem, que a denominem com as piores adjetivações, ainda assim ela
estará presente para contagiar a todos, para fazer a alegria dos corações e
mentes dos homens. Mas também para a confirmação da fragilidade da mente humana
e sua tendência às ações negativas.
Impossível
é deixar de reconhecer, de aceitar, de conviver, de ser a própria loucura. De
um modo ou outro, ainda que sábios pretendam justificar os grandes feitos
através da lucidez, é indiscutível que tudo nasce da ação instinto impensado,
da criação segundo as circunstâncias, da maluquice despretensiosa que acaba
dando certo.
E por que
as pessoas consideradas como de maior sabedoria são vistas como verdadeiros
loucos? Os cientistas geralmente não passam de doidos varridos, os filósofos se
perdem nas próprias razões em busca de outras razões, os homens das letras não
se conduzem pela normalidade, do contrário não estariam criariam nada de novo.
Tome-se
como exemplo que muitos dos grandes feitos da História surgiram como
verdadeiras insanidades. Atravessar mares desconhecidos em frágeis embarcações;
montar em cavalos para cruzar fronteiras e vencer o mundo; fazer experimentos
químicos e físicos utilizando o próprio corpo; ir de encontro ao teocentrismo e
afirmar que a terra não é o centro do universo. Quanta loucura!
E diz
Erasmo que a loucura se afeiçoa à própria existência humana. É criança, porque
sem razão formada, delirante, extravagante, sem comedimentos nem impedimentos;
é adulta porque se acha na idade e direito de fazer o que bem entenda e deseja
e por isso mesmo comete os maiores deslizes, os maiores absurdos, as maiores
displicências; e da velhice, pois nessa idade, quando deveria ser gozada a
plenitude da razão, tudo volta a ser criança, nos atos e nas loucuras.
E vai
caminhando a loucura com sua razão de ser, comandando os homens nas suas entregas
impensadas, nos seus atos insanos, nas suas persistentes buscas de realização a
todo custo. E por isso mesmo agindo como se não existisse o pensamento e a
reflexão, a observância de princípios e das regras morais.
Até porque
todo mundo sabe que tais princípios e regras existem, mas foge de seus ditames
porque ninguém é louco de ser único na vida em qualquer coisa. Ademais, é na
fuga, tão própria do ser humano, que se encontra a possibilidade de
experimentar o que o corpo e a mente tanto pedem.
Assim a loucura
é tudo e está em tudo. E o homem loucamente vai ao seu encontro no vinho, na
mesa, nos quartos alheios. O que está normal, logo o homem procura um jeito de
dar novo direcionamento; o que está transtornado, logo o homem agirá para fazer
voltar ao lugar, ocasionando maior disparate; o que ainda não está nenhuma
coisa ou outra, logo ele fará com que ocorra o contrário. Pois tudo na vida é
assim, tudo loucura.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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