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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 8 de abril de 2020

NANÔ ZANGADO E UMA RUA CHAMADA SAUDADE



*Rangel Alves da Costa


Em Poço Redondo, no Sertão Sergipano do São Francisco...
Enquanto dono de bar, o mais aborrecido e zangado do mundo. De pouca conversa, cara fechada e palavra de pedra. Ignorante só a gota serena. Bruto só a jumenta do finado Quelelé.
Fiado, de jeito nenhum. Dinheiro grande pra pagar coisa pequena, ainda pior. Sentar e ficar duas horas pra tomar uma cerveja, melhor nem ter ido. Muita conversa no pé do balcão, arriscado até ser forçado a tomar o caminho de casa.
Muito pé-de-cana já correu com medo. Muito pinguço já saiu de lá com o rabinho entre as pernas. O homem não era brincadeira não. Com Nanô, o famoso Nanô do bar da avenida, o negócio era curto: chegou, bebeu e saiu. E sem muita conversa. O homem era tão valente e pedregoso no atendimento, que muita gente tinha até medo de passar pela porta.
Mas apenas o seu jeito de ser enquanto velho vendeirim de cachaça, de casca de pau, de outras bebidas e cerveja gelada. Todo mundo sabia como ele era, como era o seu jeito pouco amigável de atender, mas todo mundo gostava de passar ali e tomar umas e outras, e, com muita sorte, testemunhar um sorriso, um proseado, uma palavra amiga.
E assim porque, na verdade, Nanô é um ser humano acolhedor e maravilhoso. Tanto assim que a avenida ficou mais triste depois que ele fechou o bar. Já perto dos noventa anos, mas por ele não fechava não, de jeito nenhum. As filhas que insistiram, azucrinando que já havia chegado a hora de deixar de estar se preocupando com cachaça e com freguês.
Mas a verdade é que o bar de Nanô fechou e ele só é avistado vez por outra pela rua em direção ao mercado ou repousando em cadeira na porta de casa. Não gosta, contudo, de ficar parado. Quando pensam que ele tá sumido, está entocado pelo quintal, mexendo numa coisa e noutra.
Enquanto isso a atual Avenida Alcino Alves Costa (que já foi Rua dos Vaqueiros, Rua de Baixo, Av. 31 de Março e Av. Poço Redondo) vai perdendo seu jeito antigo de ser, seus costumes e seus principais personagens. Ainda bem que Nanô continua entre a gente, mas muito nome importante já deixou suas calçadas, suas moradias, sua presença.
Rua dos Vaqueiros pelo grande número de vaqueiros ali existentes, e talvez agora apenas uma Rua Chamada Saudade. Saudade do Bar de Nanô, do Bar Gineta, dos aboios e das toadas, da presença constante de Abdias, Tião de Sinhá, Mané Cante, Pai Né, Humberto, João Paulo, Ulisses, Neguinho, Ireno, Chico de Celina, Liberato e tantos outros.
Compadre Messias de Carmelita, que sempre estava junto com a sertanejada e hoje, adoentado, infelizmente é presença quase esquecida na avenida, traduz, ao lado de Nanô, o imponente e precioso significado daquela Rua Chamada Saudade.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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