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terça-feira, 28 de junho de 2011

TEMPESTADE - 50 (Conto)

TEMPESTADE – 50

                          Rangel Alves da Costa*


Com aquela árvore caída impedindo a visão, se é que alguma visão existia em meio àquela escuridão persistente, e também a entrada e saída de qualquer pessoa, certamente o maluquinho teria dificuldades de fazer a entrega de qualquer coisa que houvesse conseguido. Se o remédio chegasse poderia não ser entregue.
Contudo, pouco antes da árvore cair o maluquinho já havia estado quase na esquina que dava para a rua da escolinha. Quando saiu da igreja apressado, pensando somente em alcançar logo a escola para entregar o remédio preparado por sua mãe, se continuasse em frente já teria feito o percurso e alcançado seu objetivo há algum tempo. Eis porque era realmente afetado do juízo, insano: somente quando já ia virando a esquina lembrou que o mesmo remédio da professorinha poderia servir para o seminarista.
Se tivesse o juízo bom já teria dado algumas colheradas da garrafada medicinal ali mesmo enquanto estava na igreja, entregando o atormentado seminarista, adoentado demais, nas mãos daquelas mulheres. Se o remédio estava no bolso, era só tirar o lacre da garrafa, fazer com que o enfermo tomasse umas três colheradas e pronto. O efeito em um faria no outro, com certeza, pois doença nascida do mesmo jeito.
Aliás, se tivesse o juízo em condições razoáveis não teria separado os dois enamorados enfermos, complicando ainda mais o tratamento e os cuidados. Sabendo que Suniá estava prostrada na sala da escola, sendo cuidada pelos meninos, teria que ter conduzido Tristão para o mesmo local assim que o encontrou caído no meio da rua, quase morrendo debaixo da tempestade. Mais tarde certamente descobririam que os sintomas eram quase os mesmos e conjuntamente os dois receberiam o tratamento possível. Se houvesse como tratá-los.
Mas não, nem pensar em voltar e dali mesmo seguir até a igreja e fazer o que já deveria ter feito pensou. O que lhe veio à mente, no juízo que comprovadamente não era bom, foi fazer todo o percurso de volta até sua casa e pedir à mãe para providenciar outro remédio igual. E realmente voltou já da esquina que levava à rua da escola. E enquanto isso a professorinha continuava oscilando entre a vida a morte, e decididamente a corda quase já arrebentando.
Mesmo num dia ensolarado, sem nenhum perigo ao redor e vindo de cima, a árvore era grande demais para a força dos meninos. Puxavam e arrancavam as folhagens galhos, mas o extenso trono com suas ramificações continuavam praticamente intactos. Diante da impossibilidade de se remover ou tirar dali pedaço a pedaço, Beto propôs que era melhor deixar como estava e arranjar outro meio de abrir no muro uma nova passagem.
“Mas como, se o muro é alto e antigo e feito de material muito resistente, e já tentamos abrir diversos buracos nele lá pelos e nunca conseguimos? Só mesmo com foice, porrete e tudo que tivesse ponta pra bater até furar, e furando até abrir uma parte toda. É muito difícil. Diante de uma tempestade dessas a gente não ia conseguir nunca, arriscando até a vida se um raio caísse por aqui...”. E Totinha foi interrompido por Murilo, que disse algo totalmente inesperado:
“Mas se um raio caísse aqui por cima dessa árvore ela ia ficar em pedaços no mesmo instante...”. “E a gente ia virar lama seu besta”, retrucou Tonico. Beto continuou:
“Por falar nisso, Tonico tem toda razão, pois se um raio cair por aqui não vai ficar um vivinho da silva pra contar a história. O raio traz consigo uma descarga elétrica tão forte que torra um boi no mesmo instante. E o pior é que eu já vi dizer que uma tempestade assim é prato cheio pra raio cair e ele sempre procura lugar descampado, desprotegido, como a gente tá agora. Por isso é melhor a gente pensar no que fazer lá dentro, na sala mesmo, que é pra não correr esse risco todo...”.
“Minha gente, tá certo que a gente tem de sair daqui e arrumar um jeito de derrubar logo uma parte desse muro, mas se o maluquinho chegar e começar a gritar chamando, tentando entrar, procurando entregar qualquer coisa que tenha trazido? O problema é esse, pois acho que ao menos tem que ficar alguém ali na cobertura esperando ele chegar, e pelo tempo já deve tá a caminho”, opinou Tiquinho.
“Não tem problema não, se é pra ficar eu fico, já que fui eu mesmo quem começou isso tudo, que botou a vida professorinha em perigo, então eu fico, podem ir lá pra dentro que eu fico...”. Tonico procurava a todo custo se redimir de um pretenso erro cometido.
Entretanto, antes que alguém falasse mais qualquer coisa, Carminha chegou toda alvoroçada, correndo de se acabar e dizendo que saíssem dali no mesmo instante, pois não se sabe como, mas a verdade é que a professorinha havia aberto a boca e murmurado pra chamar eles de volta, senão todos corriam risco de morrer.
“Mas morrer como, de quê?”, perguntou Murilo, já perto da sala. “É melhor não querer saber agora se a gente corria perigo ou não, pois todo mundo sabe exatamente no que a gente tava falando. E se a professorinha, mesmo doente, teve um aviso que um raio pode cair ali a qualquer instante?”, ajuntou Tonico. “Só sendo, mas não acredito muito nisso não”, disse Tiquinho.
Já haviam ultrapassado a porta da sala de aula quando ouviram um intenso e rápido barulho lá fora, algo como um estouro, um estrondo diferente, fino, agudo, cortante. Ao mesmo tempo sentiram algo se partindo, se quebrando, se despedaçando. Quase todo mundo queria voltar pra olhar o que teria ocorrido, quando Beto perguntou: “Será que foi um raio que caiu bem ali onde a gente tava, perto da árvore?”.

                                                   continua...





Poeta e cronista
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