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sábado, 11 de junho de 2011

LÁGRIMA: DA NUVEM AO TEMPORAL (Crônica)

LÁGRIMA: DA NUVEM AO TEMPORAL

                      Rangel Alves da Costa*


Os dicionários, enciclopédias e livros didáticos sempre definiram a lágrima de uma forma mecanicamente fria e previsível.
Assim, dizem que a lágrima é apenas um líquido composto de água, sais minerais, proteínas e gordura, produzido pelas glândulas do sistema lacrimal nas pálpebras superiores do olho humano para lubrificá-lo e limpá-lo.
Ou ainda que é um líquido produzido por glândulas lacrimais que se encontram na parte interna de cada um dos olhos, com a função de lubrificá-los e protegê-los contra substâncias estranhas e infecções.
Mas será somente isso: uma gota de líquido segregado pelas glândulas lacrimais, incolor e salgado, que umedece a conjuntiva e a córnea e mantém os olhos livres de poeira e corpos estranhos?
Conheço uma pessoa, muito humilde e muito simples, de poucas letras, mas com doutorado na vida, que muitas vezes gosta de dar lições sobre o que ela chama de cacimba dos olhos.
Perguntei por que cacimba e ela disse que era porque cacimba de riacho, que está em todo lugar debaixo daquela areia mole, bastando cavar um pouquinho para encher mão e cuia, e sobe salobra como a própria lágrima.
Assim, diz ela, o riacho está lá quietinho, com seu leito coberto de areia, com tudo seco e esturricado ao redor e ninguém diz que tem qualquer água tão próxima, mas basta, por qualquer motivo, cavar ao menos um pouquinho e já começa a despontar um fio líquido de surpresa e sede.
E a natureza que predispõe o riacho e sua cacimba é a mesma natureza humana que predispõe a pessoa para chorar, para começar a molhar os olhos e de repente cair uma trovoada. Porque a sede do olhar só se sacia com a lágrima...
Daí que por essa vertente a lágrima alcança um conceito muito diferente. Antes de surgir de glândulas, nasce muito mais de sentimentos, de pequenas situações que vão formando uma espécie de nuvem dentro do olhar e começa a desaguar com a força que a situação requer.
Ao entardecer, quando a janela é aberta ou a pessoa está no descampado de sua solidão lembrando ou relembrando pessoas e situações, no horizonte da mente vai surgindo uma pequena névoa, que vai se fortalecendo e tomando corpo à medida que a saudade aumenta. De repente a pequena nuvem já está formada e sendo preenchida pelos vapores das angústias e tristezas.
Se a lembrança é de alguém importante que já partiu dessa vida, de um amor ausente que dificilmente será novamente presença, de um erro cometido e que deixou profundas marcas no coração ou de alguma coisa que não mais poderá ser feita para mudar uma situação, então o horizonte da pessoa já começa a ficar muito mais entristecido. Neste momento as nuvens começam a ficar carregadas.
E quando as lembranças, saudades, angústias, tristezas e outros e mais outros sentimentos pesarosos vão ficando insuportáveis, fazendo com que a pessoa sinta-se dolorida por dentro, querendo gritar, fazer qualquer coisa para sumir, para sair daquele sofrimento, então o horizonte se fecha totalmente. É quando as nuvens negras e pesadas não suportam mais se conter e começa a cair a chuva em abundância.
Nessa fase de temporal, a mais cruel e difícil fase da natureza humana vencer, as nuvens se abrem de vez, os pingos se lançam com força e violência, tudo começa a ser inundado, a ser alagado, a ser invadido. Rompem-se as comportas nos olhos e uma enxurrada começa a descer pela face, parecendo querer levar tudo que encontre pela frente, pessoa, vida e destino.
Em certas pessoas são irreversíveis os danos causados; em outras, a esperança de se refazer, de buscar forças para enfrentar as próximas estações chuvosas. E quem não tem mais lágrimas de tanto chorar, faz como Leila Jalul: dá um lenço, mas não para enxugar as lágrimas, e sim para dar adeus àquilo pelo qual não vale a pena chorar.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
 





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