SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 9 de junho de 2011

TEMPESTADE - 31 (Conto)

TEMPESTADE – 31

                          Rangel Alves da Costa*


“Esse é o remédio para o corpo. E o remédio para o coração?”, a voz repetiu. E Teté, naquele seu jeito meio aéreo de ser, maluquinho com o seu efeito, esqueceu seu espanto inicial e sem procurar ao menos saber de onde poderia ter vindo assa voz, agachado mesmo respondeu:
“Coração não precisa de remédio, precisa de amor, e de amor pra dar e receber. Mas o corpo precisa estar curado pra o coração ficar preparado para amar...”. E a voz continuou: “Sábias palavras, como se do amor já foste por demais merecedor, e não só do amor filial, mas do amor que tem no coração seu sabor...”.
Então, quase num pulo, Teté levantou e perguntou: “Mas eu estou falando com quem mesmo, hein?”. E a voz, como se estivesse pronunciando as palavras de diversos locais diferentes, se fez ouvir mais uma vez:
“Menino, menino, bem sabes que ouve a voz do vento, o sussurro da chuva, o grito da noite, o espanto da tempestade, os barulhos dos trovões, raios e tempestades, o silêncio inocente do seu coração. E se queres saber mais de quem é essa voz que fala contigo, basta que agora se abaixe e pegue o feixe de folhas, plantas e raízes que há pouco deixou estendido no chão. Nestas ervas, simples folhagens que muitos não acreditam, está o verdadeiro milagre da ressurreição. E quem é capaz de fazer milagres bons com as pessoas boas?...”.
E Teté, em tom brincalhão, respondeu: “Mas seja quem for deixe de besteira e mostre logo sua cara, porque milagre mesmo só tem um que tem poder de fazer, e é o meu amigo Deus lá do céu e o Nosso Senhor Jesus Cristo aqui na terra, que é filho do Deus lá de cima. A gente que vive fazendo bem aqui em embaixo sempre encontra com Jesus pelas estradas e aí, por ser pessoa que anda corretamente e sem pecar, pode pedir ao filho de Deus que peça ao pai que nos conceda algum milagre. Então deixe de besteira que só pode falar em milagre é Deus ou seu filho Jesus...”.
“E você acha que está falando com quem agora, já que estas ervas para o seu remédio é um milagre que estou lhe concedendo, mesmo não sendo pra você, mas para sua amiga...”, continuava a voz, quando foi interrompida pelo maluquinho: “Já disse que deixe de besteira que milagre, milagre mesmo, milagre de verdade, só quem pode fazer é Deus e seu filho Jesus...”.
“Tem meu perdão pela descrença, bom homem, bom menino, boa criança. Mas um dia saberá que quem fala contigo é o mesmo que você pensa que te deu as chaves das nuvens para mandar chover tanto assim”, disse a voz. “Mas aí é diferente porque eu mesmo falei com Deus lá na montanha e ele me deu essa chuva e essa chuva é minha...”.
E a voz se fez mais forte e mais próxima, agora falando bem à frente de Teté: “Eu sou o milagre, eu estou nessas ervas, estarei no remédio e muito mais na cura. A sua amiga professorinha vai morrer. Ninguém saberá, ninguém perceberá, mas ela vai morrer. Enquanto todos pensarem que ela ainda agonizante, já estará morta. Mas você tem o milagre em suas mãos. Renascer depois de haver morrido é ou não um milagre? Então, quem sou eu para lhe permitir esse milagre?
“Oh, meu Deus, que confusão na minha cabeça. Se só Deus e seu filho podem fazer milagre, então estou falando com quem? Onde está você Deus, estava aí falando comigo? Me responda meu Deus, era você mesmo que estava falando comigo?”. Totalmente alvoroçado, se danava de um lado pra outro perguntando onde a voz estava, se ajoelhava e rezava, erguia as mãos para o alto implorando para a voz ser ouvida novamente.
Mas somente quando até já estava esquecido das ervas deixadas por cima da água no chão é que ouviu bem distante: “Sua mãe te espera para fazer a cura, pegue as ervas e vá depressa, pois sua amiga também te espera. Ela não, mas o seu espírito...”.
A voz desapareceu totalmente, ao menos para ser ouvida, porém outro grito conseguiu alcançar eco ali no quintal, em meio à escuridão da tormenta: “Teté, se avexe menino, traga logo essas folhagem que as brasa do fogareiro já tá pegano. A lenha é pouca, vosmicê sabe disso e adespoi num tem graveto que se encronte. Ande logo menino”.
E Teté entrou na cozinha com os braços cheios de plantas medicinais, tudo colhido conforme o pai havia indicado e ele mesmo já conhecia o local onde estava plantada cada espécie. Assim que fecharam rapidamente a porta atrás, ele despejou as folhas, raízes e tudo o mais que podia servir para bem preparar o remédio.
Quando a mãe pediu ao pai que levantasse o candeeiro pra ela enxergar melhor e escolher logo aquilo que precisaria, tomou um susto. O que estava sobre a mesa era totalmente diferente do que haviam pedido pra ele trazer. Contudo, o mais intrigante é que tanto o velho Timbé como Sinhá Culó tinham a máxima certeza de que nenhuma daquelas ervas poderia existir no quintal, e simplesmente porque nunca plantaram e nem viram crescendo ao deus-dará.
“Mas o que é isso, Teté, onde encrontou essa pranta, vosmicê saiu do nosso quintá e foi buscar isso no quintá dos outo, foi? Ói pra isso aqui Timbé, que coisa mai sem pé nem cabeça. Desse jeito num vai dar nem tempo de fazer o remédio pa professorinha, poi temo que arrumá as pranta certa pa doença dela, mai não isso aqui. Ói Timbé!”
E o esposo baixou os olhos sobre as folhagens, balançou a cabeça e disse: “É mermo, nunca prantemo essa erva aqui não. Mai é tudo erva espiciá, da boa, que é muito difici de encrontá. Ói pa isso aqui, ói se num é alecrim, capim-de-cheiro, capim-rei, cruiri, gergelim, flor de laranjeira e parreira-da-praia. Tudo pranta boa demai pa remédio, que é tumá e a doença descambar. Bote logo tudo no fogo Sinhá, tudo junto que é pá o caldo ficá bem grosso. Adespoi ajunte a outa coisa. Mai meu fio, me diga cuma foi qui vosmicê arrumou ess pranta”.
E Teté contou a verdade: ”Tudo que está eu trouxe do quintal. Não saí do quintal um só instante e peguei essas plantas no lugar certo. Foi isso que eu fiz e elas estão aí”. “Entonce foi milagre!”, disse a mãe. Então ele se lembrou do que a voz havia dito, lembrou que somente o dono daquela voz poderia ter feito isso, colocado essas plantas no lugar onde as outras deveriam estar.
“É mãe, foi milagre. Foi mesmo um grande milagre, e talvez logo logo aconteça outro. Mas depois eu falo porque esse milagre aconteceu”.

                                                      continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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