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quinta-feira, 9 de junho de 2011

BOLINHOS DE CHUVA (COM MELANCOLIA) (Crônica)

BOLINHOS DE CHUVA (COM MELANCOLIA)

                        Rangel Alves da Costa*


A avó ou a mãe de todo mundo ensina e é muito fácil de se fazer bolinhos de chuva. Basta seguir a seguinte receita: dois ovos, duas colheres de açúcar, uma xícara de chá de leite, farinha de trigo para dar o ponto, uma colher de sopa de fermento, açúcar e canela.
O preparo também não tem nenhum mistério: misturar todos os ingredientes até ficar uma massa consistente; deixar aquecer uma panela com bastante óleo para que os bolinhos fiquem soltos por cima; colocar colheradas da massa quando o óleo estiver bem quente, mas depois abaixar o fogo para que o bolinho vá fritando por inteiro; retirá-los e colocar sobre papel absorvente e depois passar no açúcar com canela. Uma delícia para o final da tarde.
Mas o final da tarde reserva também outras surpresas que não somente os bolinhos de chuva preparados na cozinha. Em outras dependências da casa, lá por dentro do quarto, diante de uma janela aberta, debaixo de um guarda-chuva no banco da praça, no alto da montanha, na beira do rio ou da praia, em qualquer lugar que chame à reflexão, a pessoa também poderá experimentar bolinhos de chuva, polvilhados de melancolia.
Mas por que polvilhados de melancolia, alguém poderia perguntar. Ora, não há melhor instante do que aproveitar os bolinhos de chuva que caem ao entardecer, aqueles mesmos que têm o poder de molhar também lá dentro do olhar, para polvilhar o momento com um pouquinho de melancolia. Reencontrar-se com a melancolia significa não querer sempre fugir de julgar a si mesmo.
Pode soar com estranheza, mas melancolia é algo sempre bom, todo mundo sabe, não faz mal à saúde nem engorda. Contrariamente do que imaginam e propagam, estar melancólico é apenas estar reflexivo e nessa reflexão não ter encontrado motivo algum para o sorriso, para a alegria estampada no rosto, para o brilho nos olhos senão pela lágrima amiga.
Mesmo que Freud tenha escrito que os traços mentais distintivos da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima a ponto de encontrar expressão em auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição, a melancolia pode e deve ser vista noutro sentido.
Num sentido mais convincente e menos destrutivo, a melancolia pode ser vista como uma tristeza sem causa definida, quase sempre acompanhada de uma saudade, de uma triste recordação. Não passa de um momento de desgosto, até de almejado pesar, de leve sofrimento. Naquele momento, muitas vezes desejado pela própria pessoa, há uma medição entre as conquistas e as perdas, tendendo sempre a uma culpabilização angustiante. Porém tudo tão necessário como a tristeza que sempre virá.
Para se ter uma ideia de que a melancolia acompanhando bolinhos de chuva, ainda que tempestade acompanhada de ventania, não é coisa do outro mundo, segundo apregoou Freud, basta sentir o peso dos seguintes pensamentos: "A melancolia nada mais é do que uma recordação inconsciente" (Gustave Flaubert), "A melancolia é o prazer de ser triste" (Victor Hugo).
E mais verdadeiramente: "A melancolia é uma tristeza, um desejo que não tem nada de dor e que se parece à tristeza na mesma medida em que a neblina se parece à chuva" (H. G. Longfellow), "Não busquemos no amor os grandes prazeres, ardentes e inebriantes; busquemos as modestas alegrias, tocada de suave melancolia. A melancolia é alguma coisa santa, eco de uma harmonia executada no céu, sentimento que perfuma o amor e o faz incorruptível" (C. Bini).
Por isso mesmo, pode olhar com seus olhos tristes os bolinhos de chuva que caem lá fora e adiante, polvilhá-los de melancolia e depois procurar seu cantinho de solidão e tristezas para saboreá-los sem qualquer pressa. Deixe que a angústia venha, a amargura chegue, deixe que sentimentos aflorem, pois sua digestão será com a sensação de uma alma lavada e pura.


Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

  

Um comentário:

Toninho disse...

Perfeita cronica com um toque sensacional com este bolinho de chuva tão delicioso.Parabens amigo.