SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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segunda-feira, 13 de junho de 2011

TEMPESTADE - 35 (Conto)

TEMPESTADE – 35

                          Rangel Alves da Costa*


Mas Deus da minha tempestade, e não é verdade que estou vendo ali estirado, gemendo e implorando socorro, o coitado do seminarista? Interrogou-se e se aproximou para confirmar o maluquinho, agora forçado a diminuir o ritmo diante dessa inusitada e desesperadora situação.
Era curtíssima a distância dali onde Tristão estava caído até a escolinha onde os meninos se desesperavam para salvar a vida da professorinha. O remédio milagroso, o verdadeiro elixir da indubitável cura estava bem seguro no bolso de Teté, guarnecido numa pequena garrafa de vidro.
Quem o visse esquecido num lugar qualquer diria se tratar apenas de um óleo escurecido, servindo pra qualquer coisa ou mesmo pra nada, mas nunca que ali estavisse reunida a força curativa da natureza, a intercessão divina para a cura dos escolhidos e a imensa fé do povo nos milagres divinos através dos elementos da natureza.
Sem ter tempo para pensar um pouco mais, até porque o juízo era mesmo fraco pra decidir, Teté nem pensou em levantar o seminarista e ajudá-lo a sair dali e daquela situação. Percebendo que o rapaz não estava nas mínimas condições de manter-se em pé, segurou-lhe pela cintura, ergueu nos braços e, do mesmo modo que havia feito com a desmaiada Manuela, saiu com ele carregado em direção à igreja.
Desculpável tal atitude do maluquinho, pois numa situação tão extrema, em meio ao tempo ainda mais ruidosamente revoltoso, até mesmo uma pessoa que se diga normal das faculdades mentais poderia incorrer em gravíssimo erro. Somente aos cuidados vagarosos da razão se poderia ter a certeza do tamanho e da gravidade do erro cometido ao levar o seminarista para a igreja e não para a escolinha.
Imenso e gravíssimo erro cometido simplesmente porque cuidar de dois doentes em um só lugar é muito mais fácil, rápido e com maior chance de cura do que deixá-los separados, distantes. A mão que cuidasse de um bem que poderia cuidar do outro, a colher com o remédio que fosse levado à boca de um, não demoraria e seria levada também à boca do outro.
Ademais, mesmo que o seminarista ainda não apresentasse outros sintomas que não os provenientes da queda, do susto e das águas sujas que teve ao redor e até entrando pela boca, afetando a pele, certamente mais tarde, acaso se mostrasse enfermo, a doença seguramente seria diagnosticada com o mesmo matiz daquela que tanto afligia a professorinha.
Essa sim, já num estágio já muito mais avançado da doença, e até terminal, se o milagre da cura não acontecesse imediatamente. Por isso mesmo que se o juízo fosse outro naquela cabecinha afetada, mais fácil seria se o maluquinho tivesse levado Tristão para ser tratado juntamente com Suniá. E fato que não se podia esquecer era o imenso amor que os unia e que somente agora, em momentos tão duros e difíceis, ia sendo revelado. Mas haveria de tempo de ser vivido, amado, expressado em plenitude?
Como ninguém na face da terra poderia alertar sobre o equívoco nem mudar a situação, vez que Teté era ser absoluto do seu reino de chuva e ventania, como ainda apregoava, então o que se pôde observar em meio à escuridão foi o doente sendo carregado pelo sem juízo debaixo daquela confusão climática que já se arrastava em demasia. Cada relampejo que clareava a noite mostrava o vulto se encaminhando para a igreja.
Verdade é que de cinco a dez minutos já haviam se passado desde que o seminarista foi avistado pedindo socorro. Em muito menos tempo do que isso Teté já deveria ter entrado no portão da escola levando o milagroso remédio no bolso folgado, porém de máxima proteção. E um, dois, três minutos são instantes primordiais para se salvar uma vida. Às vezes se ouve falar na fatalidade do minuto seguinte, ou dos segundos que não puderam esperar.
O pior é que tudo de repente se perde em questões de milésimos. Não se sabe o tempo que a doença espera, muito menos o tempo que a vida se desespera, e menos ainda o momento que chegou o tempo que o tempo não mais esperou. E tudo acaba, acabou. Agora tudo estava nas mãos de Deus, é verdade, como aliás tudo sempre está.
Segurando o seminarista com os dois braços, sem ter nenhuma mão livre para bater na porta, o maluquinho primeiro começou a gritar que abrissem aquela porta rapidamente, pois Tristão estava muito doente e precisava ser cuidado lá dentro. Chamou e chamou cada vez mais alto e nada. Contudo, ele mesmo ouvia lá dentro o mesmo barulho infernal de antes, um verdadeiro cabaré de falsas beatas na maior esculhambação do mundo.
Começou a dar chutes na porta e somente assim foi ouvido. Continuava a mesma briga, as mesmas discussões, as mesmas acusações de lado a lado, com cada grupo dizendo que o outro só tinha puta rampeira despeitada e ouvindo do outro que se os maridos soubessem das quengas que tinham em casa tinham até vergonha de sair na porta da rua. Logicamente que isso foi o mínimo no cardápio desse duelo que parecia interminável.
Socorro e Antonieta foram libertadas do cativeiro no confessionário assim que o seminarista saiu correndo da igreja e cada uma procurou se unir ao grupo que desavergonhadamente lhe defendia. Socorro agora comandava ali mesmo Rosinha, Custódia, Esmeralda e Tibúrcia; enquanto Antonieta dava as ordens no meio onde estavam Filó, Dandinha, Minervina e Clementina.
Mas quando Minervina abriu cuidadosamente a porta e soltou o grito, todas começaram a partilhar da mesma agonia, mesmo que as desavenças não desaparecessem completamente.

                                                     continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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