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sexta-feira, 17 de junho de 2011

SE O POETA SOUBESSE...

SE O POETA SOUBESSE...

               Rangel Alves da Costa*


Não pregando nem vendo um mundo sombrio que deva envolver os artesões de versos sentimentalmente românticos ou tristes, mas não consigo pensar num verdadeiro poeta se não for através de um ambiente sombrio, de tênue luz, cheirando a fumaça e a bebida. Infelizmente é esse o clima de construção da melhor poesia.
Nesse ambiente escurecido e triste, com apenas uma janela aberta e papéis jogados sobre a mesinha antiga, o homem curvado com sua pena que é o seu próprio destino, o de ser poeta. Parecendo uma pintura expressionista, na verdade retrata um artista do passado, talvez de uma fase mais gritante do romantismo, onde o pessimismo, as atmosferas fúnebres e as depressões faziam brotar no artista sua máxima verve.
Não só do passado, mas do presente também. Acho que não tem cabimento um poeta totalmente informatizado, não podendo rabiscar na tela do seu computador, não tendo ao lado velhos dicionários para ajudar na busca da rima mais rica. Ora, não tem cabimento o poeta moderno demais, comedido, festivamente alegre, com jeito de santidade.
Para mim, ainda que não tenha virado noites cheirando a limão, nem passado pelos cabarés nem pelas tabernas imundas acaso ainda existentes, o poeta é dono de um mundo que tem de ser diferente dessa normalidade abjeta, fantasiosa, mentirosa demais. O poeta que se envolve na mediocridade desse mundo não pode construir uma poesia engajada, ainda que somente que com os seus fantasmas e amores impossíveis.
Nesse ponto sou defensor do conservadorismo na poesia e nos poetas, do romantismo ainda que exacerbado e dos artistas da palavra que se preocupam muito mais em escrever do que aparecer na mídia ou nas graças de um crítico que nunca escreveu uma trova. Ainda os vejo de jaquetão, de roupa malcuidada, com a vagareza dos despreocupados e a pressa com os inimigos que são muitos. Isto porque não pode existir um bom poeta se não viver sendo perseguido por fantasmas, por vultos de uma sã insanidade.
Ninguém dá nada pelo poeta cheirando a limão, de rascunho debaixo do braço, parando de vez em quando num poste para olhar o horizonte, muitas vezes conversando sozinho. Mas rabiscadas no papel estão as palavras que os apaixonados endinheirados, bem vestidos, vivendo no conforto, procuram insistentemente encontrar para mandar num papel perfumado, junto com um caríssimo buquê, para sua amada que o vê como um sacrifício.
De um jeito ou de outro, através de uma publicação em coletânea ou recorte de jornal, a poesia do pobre poeta chega aos olhos do apaixonado e se transforma no único meio de expressão daqueles que, na maioria das vezes, não sabem abrir a boca se não for para falar em números, cifras, investimentos, bolsa de valores, quanto ganhou ou perdeu. Com o tino apenas para os negócios, quando se depara com as coisas do coração se torna sempre um perdedor. Daí a palavra do poeta, daí o verso, daí a magistralidade do velho vagabundo.
O velho poeta também escreve para atender os anseios, as dores e as lamentações que incessantemente gritam no seu coração. Demasiadamente amante, embora quase sempre incompreendido e não correspondido, faz do seu verso doloroso a palavra que tanto queria que seu amor entendesse. Mas não, passando a ser cativo do próprio sofrimento, sobre amores vai escrevendo até que o brilho daquilo que expressa chega ao apaixonado que sequer sabe abrir a boca para dizer te amo.
E junto com o poema anônimo seguem as joias e as flores, os champanhes e os convites, a riqueza de um amor forjado no verso de quem certamente estará tristemente recolhido embaixo de pouca luz, novamente cheirando a limão, com a mão trêmula e o coração pulsante, escrevendo talvez o seu último lampejo de paixão.
Se morrer tanto faz. O seu verso sobreviverá para tornar os outros felizes através do amor.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com   

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