*Rangel Alves da Costa
Ora, não
se pode esquecer as lições de um livro bom que sempre pede para ser relido em
nossa memória. Página a página, vidas e suas sagas.
Mesmo que
às vezes doa, que aflija por dentro pelas recordações, lembranças e nostalgias,
ainda assim temos que olhar pra trás e avistar o que há de nós e o que há dos
nossos que ainda podem ser avistados. Não nasci agora, não vim ao mundo
sozinho.
Sou filho
de pessoas que foram gestadas por outras pessoas, e daí um vínculo consanguíneo
e familiar que jamais poderá ser negado em nome do esquecimento, da ingratidão
ou do tanto faz.
Meu pai
Alcino era filho de Dona Emeliana e Seu Ermerindo. Minha mãe Maria do Perpétuo,
Dona Peta, era filha de Teotônio Alves China (o China do Poço) e Dona Marieta
(Mãeta).
Sou neto
deles, sou neto de Seu Ermerindo e Dona Emeliana Marques, e de China do Poço e
de Mãeta. E estes também tinham suas raízes, seus berços familiares.
Com isto
quero afirmar que minha presença de agora é um reflexo do ontem, do passado
distante, do que foi brotado pelos meus até que em mim florescesse a vida.
Por isso
não posso enxergar o espelho do presente sem avistar as velhas fotografias
molduradas na parede do tempo e do coração. E quanta saudade dá!
Lembro-me,
dentre tantas lembranças e nostalgias, dos santos no céu amadeirado do oratório
de minha avó Emeliana, de seu gosto pelo Juazeiro do Padim Ciço e de sua voz
firme dizendo assim e assim. Romeira, devota, uma sertaneja de rosário de
contas e de promessas.
Lembro-me
do coração perfumado de meu avô Ermerindo e do seu jeito firme, como a não
querer revelar seu sentimentalismo e sua bondade.
Relembro
seu armazém, sua mercearia, seus couros, seus fardos de algodão, seu balcão
imenso e sua geladeira a gás nos fundos da venda. Lembro sua predileção pelos
repentistas nordestinos e o monte de discos que ele trazia a cada romaria.
Meu avô
China era um abridor de portas para os muitos amigos que possuía. Não recebeu
apenas Lampião e o Padre Artur Passos em sua moradia, mas também comboeiros,
andantes, mascates, pessoas que cortavam os sertões poço-redondenses.
Sua
vendinha ao lado da casa era mais para prosear com os amigos do que mesmo como
meio de sobrevivência, vez que possuindo algumas fazendas e sendo reconhecido
como um de posses da pequena povoação.
Minha avó
Marieta, Mãeta, vivia para os santos, para as rezas, para as igrejas, para
abençoar quem passasse pela sua porta e para avistar o mundo, ali sentadinha ao
entardecer em sua calçada.
Em dias de
missa, e lá ia ela, toda miudinha, levando livros de rezas e crucifixos,
levando sua cadeira de oração e seu xale de renda escura sobre a cabeça.
Meu pai
Alcino sempre foi dividido em muitos, o Alcino político, o Alcino amante de seu
sertão e o Alcino familiar.
Mas eu
gostava mesmo era do Alcino sertanejo, aquele apaixonado pela terra, pelo seu
povo, adorador de Tonico e Tinoco, catador de causos e histórias da saga
sertaneja, aprendiz de escritor dedilhando em antiga máquina de escrever.
Inesquecível
aquele Alcino saindo com sua pequena radiola e discos e indo até o cruzeiro da
Praça da Matriz, e aí fazer ecoar pelas noites sertanejas o cancioneiro
apaixonado de seu sertão.
Minha mãe
Dona Peta, a fina flor do meu coração. Sem outras palavras para descrevê-la,
senão aquelas que dizem sobre sua beleza, sua doçura humana, seu indistinto
amor.
Costurava,
bordava, pintava tecidos, gostava de fazer doces e comidas, possuía uma voz tão
bela que os anjos se encantavam quando chegava à igreja.
E eu, eu
sou uma parte de tudo isso, uma prenda viva de laços familiares, ou aquele que
tudo faz para jamais se afastar daquele jardim de onde floresci.
Por isso
que olho no espelho e me avisto em muitos. Não sou apenas Rangel. Sou Rangel de
Alcino e de Dona Peta, mas também Rangel de Seu Ermerindo e de Seu China, de
Dona Emeliana e Dona Marieta.
Tenho um
nome, mas sou aquele que vem do sobrenome.
blograngel-sertao.blogspot.com
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