SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 6 de abril de 2011

AÇUCENA (Crônica)

AÇUCENA

Rangel Alves da Costa*


Até hoje não se sabe como uma mocinha tão bela igual a Açucena conseguiu crescer tão meiga, doce e encantadora num sertão de tamanha aridez, de terra rachada e vida e tudo na vida em desvão.
Duvidavam até mesmo como é que uma flor daquelas poderia nascer do lajedo de pedra bruta que eram os seus pais. E diziam isso porque os dois sertanejos pareciam cactos abandonados ao sol do sertão, retorcidos pelo tempo e marcados pela tristeza dos dias.
Não acreditavam como o barro da parede tantas vezes comido, tanta doença espalhada em canto em rancho, tanta fome e falta de cuidados, tantos pés descalços e tantos espinhos, e tantos e tantos desalentos e sofrimentos ainda permitiram que aquela florzinha não murchasse e morresse logo nas primeiras estações.
Não lhes entravam de jeito nenhum como aquela pétala perfumada, sem jamais sequer ter entrado numa loja de roupa, sem jamais ter visto sapataria, sem nunca ter passado na porta de joalheria, sem jamais ter sobre os cabelos um creme ou xampu, sem nunca ter usado perfume ou cosméticos, pudesse ser a mais encantadora de todas.
Chegavam a discutir se ela não fosse dali, não tivesse nascido em meio a preás, jerimuns e hortelãs matutos, em qual outro lugar poderia ter vindo ao mundo. Zebedeu dizia que em qualquer lugar, menos ali; Faustino dizia que nem podia imaginar um lugar tão bonito; enquanto o poeta Climério suspirava e dizia “Nos céus, no etéreo divinal, onde os anjos do amor fazem moradia!”.
Por falar em Climério, o rapazinho metido a poeta cismou que a musa dos seus versos tinha nome e jardim, tinha passo esvoaçante e pétala macia feito o sopro da brisa, tinha o olhar das manhãs mais bonitas e das tardes mais apaixonadas. E escondido por trás de um muro em frente a casa dela, começou a ensaiar como deveria fazer embaixo daquela janela:
“A solidão me acena e triste recorro à pena para falar de Açucena. Não és somente o encanto de um jardim em mim, senão as estações que morrem sem ter seu fim, pois renovam-se assim, assim como um amor querubim...”.
Totalmente apaixonado, porém com medo dos pais da mocinha e envergonhado até dizer chega, vivia procurando um jeito de se aproximar dela e chamar sua atenção. Passava apressado diante da janela e jogava bilhetinhos recheados de suspiros e rimas. Os poemas já chegavam molhados e retorcidos de tantos beijos e apertos que ele dava antes de jogá-los dentro da residência.
Açucena já sabia desse amor incontido, apanhava os bilhetinhos, lia todos eles e depois guardava dentro de um caderninho. Na verdade, até ficava com pena do poeta Climério, pois mesmo sabendo que se tratava de um rapaz digno e honrado, estudante e de boa família, ainda assim nem se aproximava do amor que tanto sonhava.
E sonhava encontrar um amor que era até difícil de explicar o jeito e as feições dele. O rapaz mais lindo do mundo que chegava a parecer um príncipe, um herói num cavalo alazão, um guerreiro num pé de vento, um perfeito cavaleiro que chegava com sua espada e destruía todos os inimigos num só golpe.
E ela sendo a mocinha, fragilizada nas mãos dos malfeitores, não desacreditava esperando seu salvador chegar para destruir o inimigo, colocá-la na garupa do cavalo e subir pelos ares para passear nas nuvens. E viajava feliz entre nimbus, cometas, planetas, estrelas e outros astros e depois acordava feliz. E sempre corria para a janela para avistar se o amado já vinha num raio de luz.
Climério, o coitado do poeta, não chegava nem aos pés de nenhum dos heróis sonhados por Açucena. Desesperado, totalmente sem saber mais o que fazer, se danou a escrever uma carta para o mundo saber de seu amor e das belezas inigualáveis da amada. E espalhou a interessante mensagem pelos quatro cantos do planeta.
E uma dessas cartas foi levada pelo vento até a Rede Globo de Televisão. Quando um dos diretores leu sobre a mocinha Açucena ficou encantado, pois era de uma sertaneja assim que precisava para a novela das seis. E mandou escrever uma história bem bonita para ela.
E a história começa falando de um poeta apaixonado que se contenta em ver a mulher que ama numa novela da televisão. Mas fica triste porque o seu nome não é Jesuíno, o cangaceiro amante.





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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