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sábado, 9 de abril de 2011

RÉQUIEM PARA UM POETA MORTO (Crônica)

RÉQUIEM PARA UM POETA MORTO

Rangel Alves da Costa*


Cantai, orai, dizei tudo em honra deste breve vivente que faz da vida melodia e canto, fez dos versos os próprios motivos da presença, mas que na despedida talvez não tenha deixado qualquer rima ou estrofe, pois na morte todo verso se transforma em grito e na lágrima a sua mais brilhante composição.
Cantai, orai, dizei tudo em honra deste andarilho que enfim encontrou na pousada da morte qualquer descanso para o nada encontrado ainda. Fazei tudo em sua honra, cantai tudo que ele merecer, mas façais em silêncio, para que ele mesmo ouça e para que ele mesmo não esqueça a última palavra escrita na última linha vivida.
Chamai todos os amigos para a despedida, para o réquiem quando o corpo ainda é presença e tudo que ele fez amanhã talvez. Chamai, convidai a todos que com ele compreenderam a importância da manhã e do entardecer, e como ele choraram a noite e os seus mistérios.
Chamai, para o réquiem convidai a todos neste momento. Não estais esquecidos, mas se perguntar direi que réquiem nada mais é que uma missa, especialmente composta para um funeral, contendo passagens bíblicas e orações para a entrada dos mortos no céu. Tem sido, em alguns casos, associado a outras composições musicais em honra aos mortos, a exemplo das missas de 7º dia.
Mas hoje não haverá sons de melodias, mesmo que entristecidas como o momento requer. Também não celebraremos propriamente uma missa, na expressão católica de celebração eucarística, mas apenas cantaremos o poeta que parte, segundo o espelho de sua vida e de sua obra.
E não ouviremos sons de cantos e melodias porque com ele seguem todos os violinos que tentaram cantar a amada incompreensiva, os pianos dos salões solitários, as harpas soando nas mais altas montanhas e as flautas ouvidas no coração da natureza aflita. E das valsas, as tantas vienenses que pareciam rodar pelos seus versos, não restam mais do que qualquer Danúbio derramando-se em lágrimas.
Como bem diz as Crônicas bíblicas, teu amigo compôs uma lamentação fúnebre sobre tua vida. Todos os cantores e todas as cantoras falam ainda de ti em suas lamentações; é este um verdadeiro costume para a melhor despedida a um poeta. Esses cantos fúnebres figuram no Livro das Lamentações:

“Eu sou o homem que conheceu a dor, sob a vara de seu furor.
Conduziu-me e me fez caminhar nas trevas e não na claridade.
Ele não cessa de voltar a mão todos os dias contra mim.
Consumiu minha carne e minha pele, partiu meus ossos.
Em torno de mim acumulou veneno e dor.
Fez-me morar nas trevas como os mortos do tempo antigo.
Cercou-me com muralhas sem saída, carregou-me de pesados grilhões.
Não obstante meus gritos e apelos sufocou a minha prece!
Fechou-me a vereda com pedras e obstruiu o meu caminho.
Foi ele para mim qual urso de emboscada, qual leão traiçoeiro.
Desviou-me para me dilacerar, deixando-me no abandono.
Retesou o arco e me tomou para alvo de suas setas.
Cravou em meus rins as flechas de sua aljava.
Tornei-me escárnio do meu povo, objeto constante de suas canções.
Saturou-me de amarguras, saciou-me de absinto.
Quebrou-me os dentes com cascalhos, mergulhou-me em cinzas.
A paz foi roubada de minha alma, nem sei mais o que é felicidade.
E eu penso: perdi minha força e minha esperança no Senhor.
A lembrança de meus tormentos e minhas misérias é para mim absinto e veneno.
A pensar nisso sem cessar, minha alma desfalece dentro de mim.
Eis, porém, o que vou tomar a peito para recuperar a esperança.
É graças ao Senhor que não fomos aniquilados, porque não se esgotou sua piedade.
Cada manhã ele se manifesta e grande é sua fidelidade”.

Ora, mas por que tanto lamento amigo poeta que parte? Não deverás responder senão na saudade. Mas ousaria dizer que poesia sem dor e sofrimento, sem canto fúnebre nem lamento, não faria o poeta ser tão compreendido, pois cada ser humano se reconhece nestes motivos.
Que para o Lácio retorne os teus melhores versos e em meio aos homens se espalhem as tuas maiores verdades dolorosamente escritas, resta-nos apenas lamentar sem lágrimas e dizer: Anima eius et animae omnium fidelium defunctorum per Dei misericordiam requiescant in pace.





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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