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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 2 de abril de 2011

A ÁRVORE (Crônica)

A ÁRVORE

Rangel Alves da Costa*


Ninguém sabe com precisão, mas uns dizem que era uma cerejeira, flamboyant ou cedro; outros afirmam que era jatobá, jacarandá ou aroeira; ainda outros confirmam que era ipê, eritrina ou jabuticabeira.
Era florida, florada, de copa encoberta em qualquer estação.
Mesmo a tempestade e a ventania mais forte não tinham o poder de espalhar uma folha sequer pelo ar.
Mesmo que chegasse o outono com sua tristeza e desilusão, com seus gestos de adeus e despedidas, ainda assim ela permanecia mais completa e lindamente árvore do que nunca.
E assim, não havia mudança de tempo ou estação que fizesse a árvore perder seu colorido, sua imponência, sua soberania em meio ao bosque.
Até que um dia, num dia normal como qualquer dia, soprou a mesma brisa de sempre, mas tudo ficou diferente.
A tarde era a tarde normal de sempre, a brisa era a de sempre; mas não era a tarde de sempre, não era a brisa de sempre; não podia ser a brisa de sempre.
Não podia ser a brisa de sempre porque nenhuma brisa de sempre tem o poder, a força e o enraivecimento para tornar nem as tardes, nem as pessoas, nem as árvores mais tristes.
E depois que começou a soprar aquela brisa naquele entardecer tudo ficou diferente, mais pesado, mais triste, mais parecendo momentos que antecedem tempestades, ventanias e vendavais.
Soprou mansamente e também mansamente a tristeza começou a surgir. Na aquarela do bosque cores ocres começaram a surgir.
A árvore, até então inabalável e imutável sob qualquer situação e circunstância, começou a ver seus galhos tremulando lentamente, parecendo atingidos por sopros de vento muito mais forte.
As folhagens esvoaçavam como nunca se tinha visto antes. Todos os ruídos se faziam presentes: farfalhar, murmurar, ramalhar, sussurrar.
De repente, lá no ponto mais elevado, no galho mais alto existente, foi se desprendendo uma folha e em seguida ela veio dançando, se retorcendo pelo ar, em meio às outras folhas, cortando todos os caminhos, até descer lentamente adiante, no chão.
Não demorou muito para a segunda folha fazer o mesmo percurso e ter o mesmo destino, só que desta vez mais lentamente mais dançante em meio às outras folhas entristecidas, como se parasse um pouquinho diante das companheiras para dar uma palavra de adeus.
Três, quatro, cinco, dez, um monte de folhas foi se desprendendo, pairando pelo ar e descendo, caindo talvez de mãos dadas rumo ao leito de terra que agora já parecia um cemitério outonal com suas cores de saudades.
Não durou muito e a imagem da árvore estava praticamente irreconhecível. Apenas algumas folhas enfraquecidas conseguiam se sustentar nos galhos nus, tortos, magros, raquíticos, também sem as forças que lhes dessem sustentação por muito tempo.
Por fim, nenhuma folha mais na árvore nua. Já sem forças e sem motivos naquela ornamentação angustiante, os galhos começaram a gemer, a se retorcer e a quebrar. E foram caindo um a um, numa queda que fazia espalhar ainda mais as folhas mortas estendidas no chão.
Impossível de se conhecer porque tanto furor numa simples brisa do entardecer, pois continuava brisa e não ventania, mas a verdade é que ainda não contente em desfolhar a árvore e a quebrar e derrubar os galhos existentes, fez tudo aquilo que repousava no chão se agitar e ser levado para bem longe, varrendo tudo e levantando tudo pelos ares.
Um velho que estava sentado num banco adiante e observou aquilo tudo, ao se levantar para ir embora, já quando a noite caía, balançou a cabeça e disse a si mesmo que bem assim é na vida. Tudo está muito calmo, muito normal, para tudo repentinamente acontecer.
E o homem que teme a ventania, não sabe que ele próprio é uma brisa.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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