SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 23 de abril de 2011

DESCONHECIDOS - 92 (Conto)

DESCONHECIDOS – 92

Rangel Alves da Costa*


O coronel mandou que levassem o velho sacerdote, já afastado do sacerdócio, tirado dum asilo, pra dentro de casa e puxou a companheira para a escuridão dos cantos, perguntando os motivos daquela aflição toda. Então ela contou tudo, não só fez isso como passou a mentir, distorcendo os fatos, agravando-os. E chegou a dizer que os visitantes tencionavam matá-los.
Além do charuto, o coronel fumaçava pelo corpo inteiro. Acreditava em tudo que ela dizia e por isso mesmo afirmou que tinha vontade de ir até lá e eliminar um a um, mas que não tardaria disso ser feito. Contudo, tinham que se preparar para logo cedinho, assim que o horizonte começasse a se iluminar, pois seguiriam em diligência para o outro lado, para a vila dos pescadores, rumo precisamente ao casebre de Soniele.
Às quatro horas da manhã Pureza, que já estava de pé acerca de meia hora botando seu café no fogo, ouviu alguém bater palma na porta do barraco e saiu em correria, e tudo para não acordar a toda contente Cristina que havia retornado tarde da casa de João pescador. Era costume perguntar quem estava do outro lado, mas dessa vez foi logo puxando a porta.
E tomou um susto de arrepiar, chegando mesmo a sufocar um grito, pois do outro lado estava o esfarrapado, o doido varrido, o profeta Aristeu em pessoa e molambos. Sem reação alguma, principalmente pelo espanto naquela hora do dia, nada conseguiu falar e apenas ouviu ele, calmamente, com o aspecto mais lúcido do mundo, dizer que precisava urgentemente falar com ela. Pediu que confiasse nele e não tivesse medo de nada.
Acabou a velha pescadora mandando que sentasse um pouquinho num tronco perto da porta e foi buscar uma xícara de café para oferecer. Aceito de bom grado, pois nem lembrava mais quando tinha experimentado um cafezinho, não procurou fazer rodeios e foi diretamente ao assunto:
“Sei que todos aqui me têm com como louco, como um doido, como alguém que apareceu para assustar e ameaçar todo mundo. Mas não, sou pessoa normal, apenas um ser humano que já conheceu os mistérios do mundo e já andou por muitos lugares tentando descobrir os segredos e os enigmas da vida. Já morei em palácios e em grutas, mas hoje sou apenas um errante com um único propósito na vida, coisa que me foi dada pelas forças superiores e não porque eu quisesse...”.
E a pescadora se encantava com palavras tão inteligentes, querendo apenas saber aonde ele queria chegar. E o profeta continuou:
“Eis que na minha ultima moradia numa gruta em cima de uma montanha bem distante daqui, quase em outro mundo, estava eu meditando quando me veio uma revelação e esta dizia que eu tinha que encontrar as margens do Rio São Pedrito, pois aqui, na vila dos pescadores, haveria a qualquer hora o confronto entre o bem e o mal. Na vila pacífica tudo ia se transformando aos poucos e mais tarde chegariam desconhecidos para costurar a grande colcha da batalha. Essa colcha, toda em retalhos segundo cada morador daqui e desconhecidos, conteria em seus pedaços elementos do bem e do mal. Assim, a colcha que já está estendida para a grande batalha é toda feita com a bondade e a maldade, saindo vencedor aquele que puder descosturar e afastar o outro...”.
“Mas eu ainda não estou entendendo bem”, disse Pureza. Mas o profeta prosseguiu para explicar:
“A senhora vai entender, espere um pouquinho. É que essa batalha vai ser ganha do lado que um menino estiver. E como a senhora já percebeu, chegou um menino aqui tem poucos dias. E está instalado lá com uma velha senhora bem na casa da maldade, que é o coronel. Então a colcha de retalhos ainda está misturada. E tudo bate com a revelação que recebi quando ainda estava na gruta da montanha, que dizia bem assim, ainda me lembro como se fosse hoje: “Somente o menino Carlinhos sabe o segredo que tanto procura. Os livros estão cegos e mudos, seus pensamentos também, mas o menino não. O segredo que tanto procura está num lugar bem distante, numa rua de uma cidade grande, num menino de rua de uma cidade grande. Desça da montanha e vá procurar. Qualquer caminho será estrada, então desça a montanha e vá procurar. Se queres encontrar o segredo, lá o segredo estará”. Esse menino que está aqui veio da cidade grande, e tudo para cumprir a profecia, e somente ele pode revelar o segredo que irá destruir o mal para sempre...”.
“E que segredo será esse?”, perguntou Pureza, toda nervosa.
“O segredo vai ser revelado pelo menino, mas tem a ver com aquela mocinha que mora ali, disso pode ter certeza. Na verdade, é um segredo dela que ele dará conhecimento, que ele revelará. Por isso mesmo eu vim aqui contar essas coisas a senhora, pois sei que é a pessoa que mais entende de profecias e dessas escritas do destino por aqui. E também pra que a senhora diga a seus amigos pescadores e a todo mundo que não estranhem nada dos acontecimentos terríveis que vão começar a acontecer, pois tudo já estava escrito para ser assim. E também para que saibam que não sou o que pensam, pois cada palavra minha tem seu fundo de razão...”
“E quando vai começar a acontecer o pior?”, mais uma vez perguntou Pureza, agora já demonstrando ares de preocupação. E o profeta, já ficando em pé para se retirar, respondeu:
“Hoje, já. Tudo estava previsto para começar após a inauguração daquela igrejinha, porém ela não vai ser inaugurada, ainda que já tenha chegado padre pra celebrar missa”. A pescadora questionou do por que não haver inauguração e ele completou: “Porque igreja não pode ser dividida entre o bem e o mal. Então somente quando o bem vencer essa guerra é que ela vai verdadeiramente abrir suas portas para todos”. E depois voltou para os seus esconderijos.
No outro lado do rio a noite foi mais curta que o normal. Na verdade, nem o coronel nem Sofie dormiram do restante da madrugada até o amanhecer. Trancados no quarto, apenas ficaram tramando maldades em cima de maldades, discutindo estratégias para serem aplicadas logo mais, logo ao amanhecer. Contudo, por mais que soubessem o que deveriam fazer, tudo esbarrava no fator Soniele. O que fazer com ela, destruí-la? E se ela abrir a boca pra dizer o que não deve e não pode?
Nem bem surgiram as primeiras cores da manhã e o coronel e sua esposa já tinham saído do quarto. Porém, não apareceram primeiro do que Yula e Carlinhos, que já estavam lá fora na beirada do rio. Mesmo sem nunca manejarem um barco, verdade é que os dois tinham alugado a mesma embarcação que os havia conduzido para o outro lado no dia anterior.
Yula, que não parava de falar em Carol um só instante, estava mais que ávido para aportar ali defronte ao casebre, olhar adiante e saber que ali dentro estava a mulher dos seus encantos, da sua paixão verdadeira. A primeira, era verdade, mas parecia única e eterna. Já Carlinhos até havia sonhado com Soniele, só que ela com a boca costurada e com o pássaro preto de olhos de fogo procurando atacá-la. Era sinal que ela corria perigo, e por isso aquela pressa toda.
Os meninos atravessaram o rio antes que o coronel e Sofie subissem noutra embarcação. Barqueiros de primeira viagem, o pequeno barco levando os rapazinhos foi tomando, e cada vez mais, um rumo diferente daquele que eles queriam. Foram parar quase na curva do rio, por trás de uma imensa pedra. Desceram e foram caminhando pela margem rumo à moradia das duas.
Ainda estavam longe quando avistaram a outra embarcação já no meio do rio, se dirigindo para o local onde deveriam ter aportado. Carlinhos pediu para que se abaixassem por trás de umas moitas para não serem percebidos e assim ficaram esperando para saber quem eram os passageiros. E não demorou muito e o coronel e a esposa pisavam na terra firme, bem próximo do casebre.
“Agora vamos rápido, mas por dentro do mato, de modo que a gente chegue rapidamente pelos fundos da casa. Vamos, vamos...”. Disse Carlinhos, enquanto puxava o braço de Yula e saíam em disparada.


continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: