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quinta-feira, 21 de abril de 2011

E COMO FICAM OS POBRES? (Crônica)

E COMO FICAM OS POBRES?

Rangel Alves da Costa*


Lembro bem – e isso não faz muito tempo – que os pobres podiam comprar alimentos, tinham o prazer de chegar numa venda e pedir um quilo disso ou daquilo. Existia até produtos voltados quase que exclusivamente para as classes de pouco ou quase nenhum poder aquisitivo.
Nos interiores principalmente, bem no coração das distâncias nordestinas de onde tenho o prazer de ser filho, as bodegas, os armazéns e as vendas possuíam grande sortimento de produtos à espera daquele que vinha gastar tostão ou fazer anotar sua compra no velho caderninho.
Por cima dos balcões, nas prateleiras, estendidos em cordas e nos cestos espalhados pelos cantos, assim que a pessoa chegava avistava fardos de bacalhau, peixe seco, carne seca, carne do sol, jabá, mortadelas, ovos, verduras, frutas e legumes. Era uma festa para os olhos, ainda que o bolso não suportasse adquirir mais que o essencial, consistente no quilo ou meio quilo, na porção, no tiquinho.
E se o valente das terras esturricadas quisesse levar pra casa garrafa de qualquer coisa pra molhar o bico nas tardes dolentes, então podia passar o olho e escolher a catuaba, o conhaque de alcatrão, a cachaça limpa ou em infusão com casca de pau ou um vinho de jurubeba. Mas aí era coisa de luxo, compra dispensável, sem ser, contudo, totalmente desprezada quando a moeda ainda trincava no fundo do bolso.
Como dito lá pra cima, nada disso faz muito tempo, parecendo mesmo coisa de um ontem bem próximo da memória. Mas agora surge a pergunta que doi, que machuca, que faz entristecer: Qual o pobre que pode se dar o prazer de comprar bacalhau, peixe, carne seca ou jabá? Nem falo de frutas e verduras, pois se o quintal não servir de plantação não haverá como adquiri-las.
Ora, o bacalhau era tão nordestino como o umbu e a carne seca. Nos balcões de pinga e de lapada, dificilmente a pessoa pedia uma talagada para não colocar a mão no fardo ali ao lado e puxar uma lasquinha como tiragosto. Hoje em dia não só está totalmente inacessível como praticamente não existe mais por lá. Aquilo que fazia parte do dia a dia, comprado como outra comida qualquer, se tornou com preço exorbitante e luxuoso demais para a mesa do pobre.
Para se ter uma ideia, carne de galinha hoje em dia só come ou quem tem criatório próprio ou pode dispor de uma exorbitância por um quilo de pé e asa. Não faz muito tempo e nem existia esse negócio de vender galinha cortada, por partes, crescendo o valor segundo seja frango de capoeira, de postura ou de granja, bem como as partes que a pessoa pretenda obter.
Ora, o vendedor passava pela rua e a pessoa perguntava quanta era com pena e tudo e adquiria a preço acessível. Se a compra fosse no mercado ou na venda também não era diferente, pois o pai de família sabia de antemão quanto era, a qualidade que possuía e o seu valor nutritivo. E hoje não. Quando muito compra um quilo de uma carne embranquecida demais, sem gosto nenhum, toda composta quimicamente e por um valor absurdo. E o mesmo se diga com relação a ovos.
Quando chega o período da quaresma, entrando pela semana santa, então é um deus-nos-acuda mesmo. Qual o pobre que pode compra peixe, bacalhau, camarão? O leite de coco engarrafado é caro e não vale nada, o coco ralado não rende nada e é caro demais. Então, qual a saída para o pobre na semana santa, este mesmo acostumado que era a se fartar de surubim grande e gordo, vermelha, bacalhau, camarões graúdos, maxixada com camarão, catado, frigideira de siri mole?
Como observado, não há como continuar mantendo a tradição de na semana santa adquirir somente pescado para a alimentação. A própria igreja há muito que reconheceu a impossibilidade de a classe mais humildade preservar essa cultura de abstenção do consumo de outros alimentos. E fez isso porque sabe que não pode dizer que é pecado o pobre comer aquilo que tem.
E muitas vezes não tem realmente nada. E nada é o jejum forçado na eterna semana santa da sobrevivência.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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