SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 9 de abril de 2011

DESCONHECIDOS - 78 (Conto)

DESCONHECIDOS – 78

Rangel Alves da Costa*


Ao desembarcar o coronel fez a maior festa abraçando a jornalista, perguntando como ela estava se virando por ali ou se já havia virado pescadora também. “Mas eu cheguei ontem aqui e graças a Deus fui muito bem acolhida por todos, até me tornei hóspede de uma pessoa maravilhosa, Dona Pureza, que saiu em pescaria. E o senhor, coronel, o que faz aqui?”.
Sacudindo o chapeu, o coronel começou a dizer outras coisas: “Não quis dizer a você lá em Mormaço, mas já tava com viagem marcada pra cá. Vim fazer os preparativos finais, tanto é assim que trouxe mobília, todo tipo de panela, guarnições para a igrejinha, tudo. Agora só falta mesmo arrumar um padre pra vim celebrar missa de inauguração, coisa que vou ter de pedir licença ao bispo, pois você sabe que depois da morte medonha do vigário da nossa paróquia tudo por lá ficou entregue às beatas, nem missa tem tido. Agora a surpresa maior vai ser a chegada de Dona Doranice e sua comitiva. Sofie tem telefonado tanto pra ela que acho que ela vem logo só pra não ter um treco no coração. Tá chegando amanhã lá em Mormaço e devem vim pra cá amanhã mesmo ou no dia seguinte. Só vim mesmo pra mandar arrumar tudo como gosto e deixar tudo nos trinques. Sofie insistiu pra me acompanhar, mas como essa casa é um presente pra ela, então achei melhor só trazê-la aqui quando já puder ficar mais de dia. Mas fale mais sobre você”.
Enquanto Cristina pensava o que ia falar, ele lembrou outro assunto e disse: “Sem atrapalhar sua palavra, mas estou aqui desse lado que é pra ir de casa em casa, de tapera em tapera, convidar todos os moradores e pescadores daqui da vila para a festa de inauguração da igrejinha e também da casa de Sofie. Depois da missa vou dar uns aperitivos e distribuir uma churrascada pra essa turma”.
“Mas que coisa maravilhosa coronel, é realmente um convite muito atrativo. Hoje mesmo eu ia ao outro lado visitar suas obras. Mas antes de mais nada tenho que lhe dizer que por aqui é tudo realmente encantador. Aos poucos está se confirmando tudo, desde as belezas aos mistérios...”, estava falando a jornalista quando foi interrompida pelo coronel: “Tem visto ou sentido coisas misteriosas, minha filha?”.
“No meio dessa maravilha toda há realmente uma atmosfera diferente, até amedrontadora. Não sei ainda explicar o porquê, mas parece que a gente anda sendo observado por cada grão de areia, cada folha, por todo o rio. São olhos por todo os lugares, e olhos que não são vistos, mas que assustam. Mas sobre isso tudo conversaremos depois. Agora vamos andar um pouco por essa beirada de rio, talvez encontrando os pescadores para convidá-los”.
Contudo, decidiu não falar sobre o acontecido ali no rio naquela manhã, enquanto tomava banho. Tinha também outro problema para resolver, e com urgência. Tinha que acompanhar o coronel até a casa das duas mocinhas, porém achava que ainda não era tempo de colocar Soniele frente a frente com o pai de Gegeu. Não faria isso enquanto não descobrisse outras coisas, outras verdades.
Ademais, talvez ainda acamada, com a estrutura física fragilizada, não seria bom que ela recebesse uma visita dessas, sob risco de piorar ou mesmo acontecer coisa ainda mais gravosa. Certamente o coronel sabia daquela conversa da motivação da morte do filho e conhecia a prostituta, até porque muitas vezes, e não se sabe por que, mas procurou Sofie para saber como ela estava.
Assim, era cedo e perigoso demais para colocá-los frente a frente, mesmo que inevitavelmente isso tivesse de ocorrer mais cedo do que se esperava. Mas quanto a isso Cristina nem se preocupasse por enquanto, vez que Soniele já tinha conhecimento que o coronel estava na beira do rio conversando com ela e bem pertinho de sua casa.
Informada por Carol que percebeu a movimentação, apenas disse a esta que iria se enrolar de corpo inteiro para ver se dormia mais um pouquinho e pediu que não fosse acordada nem incomodada sob hipótese alguma. Seria até bom que a amiga impedisse que pessoas entrassem no local onde estava deitada. Contudo, esqueceu de guardar o retrato de Gegeu que mantinha em cima de uma banquinha.
Mas antes de seguirem por aquele lado, o coronel e a jornalista rumaram em direção à tapera de João pescador. Estando ainda numa parte rasa do rio, ao avistar os dois João veio cumprimentá-los. Os seus olhos brilharam mais que tudo ao se encontrarem com o olhar também brilhoso da moça. Assim que falou com ela sentiu uma coisa gelada bem nas suas costas e então se lembrou do aviso do dia anterior.
O coronel fez o convite e pediu que o mesmo fosse estendido a todos os moradores da vila, principalmente aqueles que ele não conseguisse encontrar ainda naquele dia. Cristina deu um grito por Pureza e esta chegou para ser apresentada ao coronel e também receber o convite.
Quando soube que era aquela senhora que estava dando guarida à amiga, o coronel meteu a mão num dos bolsos, tirou umas notas e depois cochichou no ouvido da pescadora, que não sabia o que fazer de tanto nervosismo. Foi preciso que Cristina insistisse para que ela aceitasse aquela ajuda, que certamente seria muito bem empregada. Então o coronel passou a ser recomendado a Deus e todos os santos e divindades. E teve que tomar uma xícara de café e comer um pedaço de broa de milho.
Após o cafezinho seguiram para os lados da tapera das mocinhas. Nesse passo, Cristina ficou totalmente desnorteada, sem realmente saber o que fazer. Talvez ficasse do lado de fora e chamasse pelo nome de Carol, talvez desse sorte e encontrasse a porta fechada e voltassem dali mesmo, talvez Soniele já tivesse percebido a presença do coronel e se escondido, o que era muito improvável. Mas realmente não sabia bem o que fazer.
Encontraram a porta aberta e nem deu tempo de chamar pela mocinha sulista, pois de forma inesperada o coronel foi logo entrando de casa adentro. “Desculpe, mas encontrei a porta aberta e já vou entrando. Oi de casa, licença que vou entrando e só gosto de parar na cozinha, que é o melhor lugar da casa...”.
Ao ouvir a voz do coronel, Soniele começou a desesperar embaixo dos lençóis. O pior é que ele já ia chegando ao local onde estava e de repente lembrou que o retrato continuava no mesmo lugar. Entrando ali, a primeira coisa que o homem enxergaria seria a fotografia do filho. E agora, meu Deus? Silenciosamente indagou, completamente tomada de aflições.


continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: