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terça-feira, 5 de abril de 2011

DESCONHECIDOS - 74 (Conto)

DESCONHECIDOS – 74

Rangel Alves da Costa*


Se aquele era Gegeu, e disso não tinha dúvidas a jornalista, vez que acompanhou seu velório e até registrou em fotografia, então aquela mocinha era a fujona da Soniele, disso também não tinha mais que duvidar.
“Este rapaz aqui na fotografia é o seu namorado mocinha?”, perguntou Cristina, num tom de quem fazia uma indagação sem qualquer pretensão, apenas por perguntar, como costumam dizer. “Não, esse aí é meu irmão. Quem dera ter um namorado, moça”, disse Soniele enquanto tentava que a boca aceitasse uma colherada de mingau.
“Muito bonito o seu irmão, menina. Muito bonito mesmo. Onde ele mora?”. “No céu, moça, ele mora no céu. Morreu depois de uma mordida de cobra lá nas mataria do lugar onde ele morava junto com nossos pais”, respondeu Soniele.
Cristina resolveu que por enquanto já se dava por satisfeita, que não iria mais fazer qualquer pergunta que pudesse cansar a mente da mocinha, até porque ela estava doente. Com o tempo, durante conversas descompromissadas, aos poucos poderia ir buscando as respostas que tanto queria encontrar.
De uma coisa já sabia, e inicialmente reveladora: ela estava mentindo. E se ela estava mentindo com relação à pessoa da fotografia, então poderia estar mentindo também acerca de uma série de outras coisas, disso não tinha dúvidas. O que deveria saber é até onde ia a verdade e começava a mentira, em cada passo, em tudo que ela dissesse. Não precisava se adiantar em querer saber logo demais porque sabia que as revelações viriam lentamente, sem que precisasse forçar o seu surgimento.
“Soniele, você tá se sentindo melhor? Se tiver diga, porque do contrário João vai buscar um médico lá na cidade”, perguntou a pescadora. “Dona Pureza, mesmo que eu tivesse morrendo não tinha dinheiro nem pra comprar um remédio, que dirá pra chamar um médico. Tá ficando maluca é mulher de Deus?”, falou Soniele, pedindo ajuda para se levantar.
Mas depois do que ouviu Carol falar perdeu até a vontade de levantar, pois sentiu verdadeiro choque pelas palavras ditas. Com efeito, assim que a amiga falou em dinheiro, mais precisamente que não tinha dinheiro para nada, a sulista fez uma revelação:
“Quanto a dinheiro não se preocupe não, pois o que tenho aqui e em bancos dá de sobra. Eu só estou aqui por causa das besteiras que fiz por causa do dinheiro. Ter muito dinheiro e não saber o que fazer com ele só traz problemas. Minha família é muito rica lá em Nova Paulo, meu pai é alto empresário. Sempre tive dinheiro de sobra, ainda hoje tenho. Mas vim pra cá porque não queria estudar e só andar em meio ruim, cujas pessoas só pensavam em me usar. Acreditando que podia tudo comecei a fazer besteira. Mas depois eu falo melhor sobre isso. Voltando ao dinheiro, não se preocupe não, pois se depender dele você vai ficar boa logo logo...”.
Soniele ficou sem saber o que fazer ou dizer diante das declarações da amiga, resolvendo ficar mesmo deitada do jeito que estava. Cristina achou uma revelação surpreendente, um fato deveras corajoso de ser dito. E por isso mesmo gostou do jeito verdadeiro de ser de Carol. Já Pureza era só sorriso espalhado na cara inteira:
“E a mocinha já deu a gente, eu, João e Quelé, uma boa quantia desse dinheiro que ela falou aí. Não sei da riqueza dela não, mas o que ela me deu vai dar pra trocar de barco e ainda por cima comprar uma tarrafa e uma cama nova. Que Deus lhe abençoe e ilumine minha filha”. E foi dar outro abraço em Carol.
Aproveitando a ocasião, e já que conhecia muitos empresários e muita gente rica lá em Nova Paulo, a jornalista perguntou a Carol como era o nome de seu pai. “O nome do meu pai é Otávio Gentili, da família Alberoni Gentili, daquelas mesmas indústrias e outras empresas que levam esse nome”.
“Oh, mas não diga menina, mas que família importante a sua. Pessoalmente não conheço seu pai não, mas o nome familiar é mais do que conhecido lá em Nova Paulo. As colunas sociais citam muito a boa vida que levam. Juro por Deus que não faz muito tempo que ouvi uma menção à sua família da boca de uma senhora também muito conhecida lá em Nova Paulo, chamada Doranice, viúva de um grande empresário de lá...”.
“Doranice Alvarado, é esse o nome?”, perguntou uma Carol disposta e contente. “Essa mesma, e não vai durar muito, acho que daqui a uns cinco ou seis dias e ela estará também em pessoa aqui na vila dos pescadores, só que no outro lado, na casa do coronel Demundo Apogeu e Dona Sofie, sua esposa”.
“Dona Sofie, esposa do coronel?”, levantou Soniele assustada. E começou a fazer outras perguntas: “O coronel vem pra cá? Dona Sofie vem também? Você disse que ela é a esposa dele, foi isso?”.
E Cristina começou a entender o desespero da mocinha. E não teve outro jeito, senão perguntar: “E você conhece eles Soniele?”.


continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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