ALGUÉM QUE ANDA POR AÍ
Rangel Alves da Costa*
Não se trata aqui de abordar sobre a obra homônima do escritor casualmente nascido na Bélgica, de pais argentinos, Julio Cortázar, um livro de contos publicado em 1977, mas de alguém que anda por aí com nome e sobrenome, sem, contudo, eu possa ao menos dizer quem é, falar sobre sua face, dizer sobre a extensão e profundidade do seu olhar.
Verdade é que só sei que esse alguém anda por aí e tenho levado quase a vida inteira - desde que descobri a importância do amor e como ele faz bem ao coração – em busca do seu passo, do seu rastro, dos seus caminhos.
Necessito urgentemente encontrar porque já faz tempo que sei o que quero, que sei como deverei amar, que sei como quero fazer desse amor o início da construção de uma imensa e duradoura felicidade.
Sei que quem pode me proporcionar esse prazer do amor existe, sei que está em algum lugar, e talvez essa hora tão perto de mim, ou talvez atrás de outros muros ou outras montanhas, mas nunca num lugar impossível de ser encontrada.
Mas sei que não virá no vento, não descerá do alto no pingo da chuva nem nascerá como flor no jardim, por isso tenho que ir atrás dessa necessária existência. Em poucos passos ou em longos dias, depois do olhar ou do cansaço exaustivo, nada importa, se o encontro de qualquer hora será benção do destino.
Também não importa que esse alguém que anda por aí seja de estatura alta, baixa ou mediana; que tenha os olhos negros, castanhos ou verde-azulados; que possua cabelos negros escorridos, loiros de ventania ou enroladinhos na mais linda e autêntica negritude ou morenice; que tenha a cor da raiz brasileira, a pele de jambo ou na brancura sulista; que seja cheinha ou magrinha, faceira no andar ou comedida em tudo. Nada disso importa...
Mas importa, e esse alguém que anda por aí tem de ter, é que seja simples, humilde, pacato, sem vaidades nem egoísmos, sem teimosias contra o poder que tem e paciente na certeza que alcançará sempre mais.
Tem que ter a esperança das pessoas regadas na fé, a firmeza das pessoas que agem perante os ditames da justiça divina, a sabedoria para saber bem julgar e perdoar e a dádiva de reconhecer o erro e não abrir mão daquilo que lhe cabe por direito.
Haveria de se imaginar que uma pessoa com tais características, condutas e virtudes, fosse alguém letrada, com anel no dedo e teoria nas palavras e números. Mas não, nada disso. Até porque a pureza da honestidade e do comportamento não requer conhecimento maior do que se reconhecer como pessoa e enquanto pessoa.
Um certo alguém que anda por aí e possui estas características pode estar nesse momento numa casinha pobre, de taipa, de barro caído, nas lonjuras de qualquer sertão; pode estar numa cidade por trás do seu muro, na simplicidade de uma vida que é apenas da sobrevivência; poder estar nos grandes prédios e condomínios, cercada por guaritas, seguranças e todo o luxo, e ainda assim ter um coração e um jeito de ser de pura poesia e doce afetividade em tudo que pensa e faz.
Preciso encontrar esse alguém que anda por aí, necessito olhar dentro do olhar, tocar na mão, sentir a presença, para ver se o destino me foi fiel. E como é destino, certamente o pássaro se encanta com um canto que nunca pensou em ouvir, a folha seca se sente melhor ao vento do que jogada no chão, o orvalho faz pouso precisamente naquela folhinha mais carente, e eu também serei encontrado por alguém que procurava me encontrar um dia.
Se tudo é destino, meu amor, se o acaso apenas confirmar o que já estava escrito, então, tanto eu aqui como você aí, não devemos duvidar de nada. Esquinas existem para surpreender, caminhos para chegar, horizontes para serem avistados. Quem sabe se você não vem nessa sede que dá, e eu não chego nessa mão que se estende? Nunca te vi, nunca te conheci, mas sou teu, sei, sabemos bem disso.
É que a perfeição da vida é tamanha que não encontramos somente o que está aqui, mas também alguém que anda por aí...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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